Próximo inverno com fenómeno La Niña, segundo a NOAA: que efeitos poderá provocar no tempo em Portugal?

De acordo com a NOAA, o fenómeno La Niña tem 71% de hipóteses de se estabelecer nos próximos meses. Que influência ou efeitos poderá provocar no estado do tempo em Portugal?

O La Niña provoca uma grande influência na temporada de furacões do Atlântico, tornando-a, normalmente, mais ativa. Tal deve-se a um baixo cisalhamento do vento. Quanto mais alto for o cisalhamento do vento, menos favorável o ambiente será para a formação dos ciclones tropicais.

As anomalias frias da temperatura da superfície do mar no Pacífico tropical revelam que o fenómeno La Niña já está provavelmente a ocorrer com intensidade fraca a moderada.

As últimas previsões apontam para uma probabilidade de 71% de ocorrência de um evento La Niña entre outubro e janeiro-março. Um evento La Niña implica alterações nas condições meteorológicas em várias regiões do globo, incluindo algumas partes do continente Europeu.

O que é o fenómeno La Niña?

O fenómeno ENSO (El Niño-Oscilação Sul) é um padrão climático (ou teleconexão) que se caracteriza por alterações na temperatura da superfície do Oceano Pacífico tropical. Estas variações na temperatura da água do mar levam a alterações nos padrões de temperatura e precipitação em muitas partes do mundo.

Quando as águas marinhas estão mais quentes do que o normal no Pacífico tropical referimo-nos a um El Niño e quando estão mais frias do que o normal referimo-nos a um La Niña.

Em condições normais os ventos de leste (ventos alísios) sopram através do Pacífico, empurrando a água quente para as costas da Austrália e da Oceânia. Em consequência disso, a água fria aflora ao largo das costas da América do Sul.

Durante um evento La Niña, os ventos alísios sopram com mais força, o que faz com que a água do mar perto da costa sul-americana arrefeça. O arrefecimento ocorre devido a um efeito conhecido como “upwelling”, que se traduz como afloramento de água fria. Os ventos que sopram da costa para o mar, deslocam a água do mar, afastando-a da costa. O espaço vazio é então preenchido por água mais fria das profundezas.

O La Niña leva a uma presença de anticiclones mais forte nas costas da América do Sul, pelo que, durante a duração deste fenómeno, a precipitação nesta zona torna-se escassa e podem ocorrer grandes secas. Por outro lado, na Austrália e na Indonésia, a deslocação de águas quentes para esta zona faz com que a precipitação aumente, podendo ocorrer inundações e fortes tempestades.

Que influência ou efeitos poderá provocar no tempo em Portugal?

Os efeitos da teleconexão ENSO no tempo em Portugal são fracos e a capacidade de os diferenciarmos de outros fatores atmosféricos é uma tarefa difícil e complexa. Sabe-se que o El Niño aumenta ligeiramente as temperaturas à escala global, atuando como uma fonte extra de calor. Por conseguinte, os anos de El Niño tendem a ser mais quentes, combinando os efeitos da ENSO com os das alterações climáticas. Com o La Niña, pode acontecer o contrário, uma vez que a remoção de uma fonte de calor pode levar a um tempo ligeiramente mais frio.

O La Niña tem uma forte influência na temporada de furacões do Atlântico, tornando-a mais ativa. Isto deve-se a uma diminuição do cisalhamento do vento, o maior ‘inimigo’ destas depressões. Como Portugal se situa longe da influência das tempestades tropicais, este é um fator que raramente influencia as condições meteorológicas no nosso país.

A relação entre o fenómeno La Niña e o estado do tempo em Portugal ao longo do inverno em que um La Niña está ativo não é clara o suficiente para permitir tirar grandes conclusões. Mas há estudos que apontam para anomalias positivas de temperatura e precipitação no nosso país.

Alguns estudos relacionam o La Niña com um tempo mais seco em Portugal no outono. Em geral, a influência do La Niña no estado do tempo do nosso país parece ter uma correlação fraca e bastante reduzida, tanto nos meses de outono como de inverno, mas ainda assim passível de acontecer.

A título de exemplo, ainda recentemente, a previsão sazonal lançada pela Organização Meteorológica Mundial mostra que os meses de outubro, novembro e dezembro serão geralmente mais quentes e secos do que o normal.

Mas há estudos que revelam tempo ameno e chuvoso em Portugal em invernos em que o La Niña está ativo...

Porém, outros estudos baseados em climatologia apoiam um cenário meteorológico completamente distinto para a Península Ibérica, onde se insere Portugal continental e Espanha, tal como revela a cartografia produzida com base em estudos do cientista e investigador doutorado da Universidade de Reading, Dr. Robert Lee, e do Centro Nacional de Ciências Atmosféricas (Reino Unido).

Segundo se observa nos mapas do tweet acima, em anos La Niña verifica-se também a teleconexão Oscilação Madden Julian nas fases 6-8, o que faz com que o regime NAO- (Oscilação do Atlântico Norte em fase negativa) seja até 2,5 vezes mais frequente.

Quando tal acontece, a estratosfera aquece e o vórtice polar estratosférico tende a abrandar. Com mais energia disponível e com a NAO- ativa, existe o potencial do estado do tempo em Portugal continental em invernos de evento La Niña ser mais temperado e mais chuvoso do que o normal.

Segundo o Dr. Robert Lee, “existe uma forte ligação sub-sazonal entre o vórtice polar estratosférico e os regimes climáticos ao longo de todos os invernos, no entanto, é durante os anos de La Niña que se verifica a ligação sub-sazonal mais forte entre a Oscilação Madden-Julian e a estratosfera”.

Tendo tudo isto em conta, não é de descartar que o tempo este inverno seja mais temperado e chuvoso do que o normal em Portugal, mas é preciso que os fatores descritos acima se conjuguem. Resta esperar pelos meses de outono e inverno, aqueles que normalmente já são os mais chuvosos do ano, para verificar o que realmente acontecerá.

Referência da notícia:

Robert Lee & Dana Allen. From Indonesia to the British Isles: using El Niño and weather patterns in the tropics to help predict North Atlantic and European weather. 2020.