Próximo inverno com fenómeno La Niña, segundo a NOAA: que efeitos poderá provocar no tempo em Portugal?
De acordo com a NOAA, o fenómeno La Niña tem 71% de hipóteses de se estabelecer nos próximos meses. Que influência ou efeitos poderá provocar no estado do tempo em Portugal?

As anomalias frias da temperatura da superfície do mar no Pacífico tropical revelam que o fenómeno La Niña já está provavelmente a ocorrer com intensidade fraca a moderada.
As últimas previsões apontam para uma probabilidade de 71% de ocorrência de um evento La Niña entre outubro e janeiro-março. Um evento La Niña implica alterações nas condições meteorológicas em várias regiões do globo, incluindo algumas partes do continente Europeu.
O que é o fenómeno La Niña?
O fenómeno ENSO (El Niño-Oscilação Sul) é um padrão climático (ou teleconexão) que se caracteriza por alterações na temperatura da superfície do Oceano Pacífico tropical. Estas variações na temperatura da água do mar levam a alterações nos padrões de temperatura e precipitação em muitas partes do mundo.
Em condições normais os ventos de leste (ventos alísios) sopram através do Pacífico, empurrando a água quente para as costas da Austrália e da Oceânia. Em consequência disso, a água fria aflora ao largo das costas da América do Sul.
The latest ENSO forecast has arrived and it shows a very weak La Nina to neutral. Modeling shows the same thing. NOAA/CPC is 77% confident in La Nina conditions during DJF.
— Joshua Wx (@justjoshua777) September 19, 2024
Recent weak la nina to neutral ENSO years include 2008-09,2016-17,2017-18, and 2022-23.
But with ENSO pic.twitter.com/pL9JiDdQsE
Durante um evento La Niña, os ventos alísios sopram com mais força, o que faz com que a água do mar perto da costa sul-americana arrefeça. O arrefecimento ocorre devido a um efeito conhecido como “upwelling”, que se traduz como afloramento de água fria. Os ventos que sopram da costa para o mar, deslocam a água do mar, afastando-a da costa. O espaço vazio é então preenchido por água mais fria das profundezas.
O La Niña leva a uma presença de anticiclones mais forte nas costas da América do Sul, pelo que, durante a duração deste fenómeno, a precipitação nesta zona torna-se escassa e podem ocorrer grandes secas. Por outro lado, na Austrália e na Indonésia, a deslocação de águas quentes para esta zona faz com que a precipitação aumente, podendo ocorrer inundações e fortes tempestades.
Que influência ou efeitos poderá provocar no tempo em Portugal?
Os efeitos da teleconexão ENSO no tempo em Portugal são fracos e a capacidade de os diferenciarmos de outros fatores atmosféricos é uma tarefa difícil e complexa. Sabe-se que o El Niño aumenta ligeiramente as temperaturas à escala global, atuando como uma fonte extra de calor. Por conseguinte, os anos de El Niño tendem a ser mais quentes, combinando os efeitos da ENSO com os das alterações climáticas. Com o La Niña, pode acontecer o contrário, uma vez que a remoção de uma fonte de calor pode levar a um tempo ligeiramente mais frio.
O La Niña tem uma forte influência na temporada de furacões do Atlântico, tornando-a mais ativa. Isto deve-se a uma diminuição do cisalhamento do vento, o maior ‘inimigo’ destas depressões. Como Portugal se situa longe da influência das tempestades tropicais, este é um fator que raramente influencia as condições meteorológicas no nosso país.

Alguns estudos relacionam o La Niña com um tempo mais seco em Portugal no outono. Em geral, a influência do La Niña no estado do tempo do nosso país parece ter uma correlação fraca e bastante reduzida, tanto nos meses de outono como de inverno, mas ainda assim passível de acontecer.
A título de exemplo, ainda recentemente, a previsão sazonal lançada pela Organização Meteorológica Mundial mostra que os meses de outubro, novembro e dezembro serão geralmente mais quentes e secos do que o normal.
Mas há estudos que revelam tempo ameno e chuvoso em Portugal em invernos em que o La Niña está ativo...
Porém, outros estudos baseados em climatologia apoiam um cenário meteorológico completamente distinto para a Península Ibérica, onde se insere Portugal continental e Espanha, tal como revela a cartografia produzida com base em estudos do cientista e investigador doutorado da Universidade de Reading, Dr. Robert Lee, e do Centro Nacional de Ciências Atmosféricas (Reino Unido).
Em invernos com La Niña, mais calor circula pela estratosfera e o vórtice polar estratosférico tende a abrandar (Fig. Esq.)
— Alfredo Graça (@alfredomgraca95) October 3, 2024
Com mais energia disponível e perante padrão NAO- , o tempo na Península Ibérica é potencialmente mais ameno e chuvoso ️️ (Fig. Dir.) pic.twitter.com/1W1lzNmH5L
Segundo se observa nos mapas do tweet acima, em anos La Niña verifica-se também a teleconexão Oscilação Madden Julian nas fases 6-8, o que faz com que o regime NAO- (Oscilação do Atlântico Norte em fase negativa) seja até 2,5 vezes mais frequente.
Quando tal acontece, a estratosfera aquece e o vórtice polar estratosférico tende a abrandar. Com mais energia disponível e com a NAO- ativa, existe o potencial do estado do tempo em Portugal continental em invernos de evento La Niña ser mais temperado e mais chuvoso do que o normal.
Tendo tudo isto em conta, não é de descartar que o tempo este inverno seja mais temperado e chuvoso do que o normal em Portugal, mas é preciso que os fatores descritos acima se conjuguem. Resta esperar pelos meses de outono e inverno, aqueles que normalmente já são os mais chuvosos do ano, para verificar o que realmente acontecerá.
Referência da notícia:
Robert Lee & Dana Allen. From Indonesia to the British Isles: using El Niño and weather patterns in the tropics to help predict North Atlantic and European weather. 2020.