Incêndios em Portugal: chuva das próximas horas também acarreta perigos e riscos para os solos ardidos, saiba quais

A primeira vaga de aguaceiros associada à depressão retrógrada chegou hoje a Portugal continental e será crucial nos próximos dias para o combate aos incêndios. Porém, apesar da chegada da chuva, há vários riscos e perigos para os solos ardidos.

incêndios Portugal
Os incêndios florestais têm estado a assolar Portugal continental nestes últimos dias.

As previsões cumpriram-se! Desde o passado domingo (15) que avisávamos dessa possibilidade e os primeiros pingos de chuva - sob a forma de aguaceiros dispersos e nalguns locais com carácter convectivo (trovoada) - começaram a cair esta manhã em locais do interior de Portugal continental.

Tal deve-se à depressão retrógrada que, situada neste momento a oeste do nosso país, está a produzir em superfície as primeiras linhas de instabilidade atmosférica e que poderão mudar o curso dos incêndios, como alertámos aliás numa previsão em que falávamos de uma “mudança brusca no tempo desta semana”. Está a acontecer agora.

Riscos e perigos associados à precipitação de quinta, sexta, sábado e domingo

Apesar da água da chuva ser um importante “apaga-chamas” meteorológico e potencialmente fulcral no combate aos incêndios, as características inerentes à depressão retrógrada e isolada em altitude à qual está associado ar frio, acarretam riscos e perigos para as zonas dos solos ardidos e para as populações em redor.

Nuvens do tipo pirocúmulo, o que são e como se formam?

A instabilidade atmosférica prevista para os próximos dias, incluindo hoje (19), sexta-feira (20), sábado (21) e domingo (22) vai estar na origem de condições à escala local para que, os incêndios ainda em curso, possam gerar nuvens do tipo pirocúmulo, capazes de alterar o regime de ventos localmente.

Diferentemente de uma Cumulonimbus, em que a forte insolação do solo e a presença de ar mais frio do que o normal na troposfera média e alta desencadeia a convecção que impulsiona o desenvolvimento da nuvem, no caso de um incêndio florestal, é o forte foco de calor que provoca subidas intensas de ar muito quente, misturado com gases e partículas de fumo e cinzas provenientes da queima de matéria vegetal.

nuvem pirocúmulo
O vapor de água que acompanha o fumo, ao atingir as camadas mais altas da troposfera, pode encontrar ar mais frio e mudar de estado formando gotículas de água líquida. Surgem assim as nuvens do tipo cúmulo ou cumulonimbo.

À medida que o fumo gigante ganha altura e atinge níveis atmosféricos onde o ambiente é suficientemente frio, o vapor de água, que em grandes quantidades consegue atingir o topo, muda de estado, formam-se gotículas de água líquida e embriões de gelo e começa a surgir o pirocúmulo, adotando a forma de uma couve-flor no topo.

Os pirocúmulos que ‘nascem’ a partir de grandes incêndios florestais conseguem atingir altitudes superiores a 11 quilómetros (o nível da tropopausa em latitudes médias) e penetrar na baixa estratosfera. Os ventos intensos que sopram nestas camadas da atmosfera contribuem para estender a parte superior da nuvem na horizontal e para transportar as partículas minúsculas de fumo em longas distâncias.

As grandes dimensões que algumas destas nuvens convectivas atingem, favorecem na sua parte superior os processos de precipitação, bem como a atividade elétrica, produzindo aguaceiros e raios dentro dos próprios incêndios. Este é um dos perigos associados ao tipo de precipitação convectiva em caso de incêndios florestais.
probabilidade de chuva portugal
Amanhã às 16:00 - sexta-feira, dia 20 - há zonas do país em que a probabilidade de chover rondará os 65%.

Solos calcinados e secos

As Regiões Norte e Centro (destaque para os distritos de Aveiro, Viseu, Porto e Vila Real) de Portugal continental foram gravemente afetadas por incêndios florestais nos últimos dias. A “chuvada” que se avizinha entre hoje e o próximo domingo (22) trará benefícios incomensuráveis, mas também riscos, perigos e impactos ao nível do solo ardido.

Após os incêndios, os solos das áreas ardidas deparar-se-ão em breve com outros problemas: estarão vulneráveis à erosão; à possibilidade de contaminação de rios e albufeiras com cinzas e outros poluentes transportados pela escorrência das águas, e à escorrência das águas per se cujo risco aumentará em função da quantidade e intensidade da precipitação. Os solos calcinados estarão, deste modo, mais expostos à erosão e à possível perda das suas propriedades.

Incapacidade de infiltração, absorção e retenção da água da chuva

Nalgumas regiões a quantidade de precipitação após uma estação seca como o verão - o que é absolutamente normal, pois é a época mais quente e mais seca do ano no nosso país - poderá ser excessiva num curto espaço de tempo.

Além disto, o facto de várias zonas estarem em seca e de os incêndios terem ocorrido precisamente no final da época estival poderá agravar o impacto da precipitação nestas áreas: nalguns locais os solos serão, provavelmente, incapazes de infiltrar e reter de maneira eficaz a água.

chuva portugal
Neste momento o mapa de precipitação acumulada do modelo de referência da Meteored prevê quase 30 mm até às 22:00 de domingo, 22 de setembro, nas redondezas do Porto.

Como se isto não bastasse, nos solos em que houve perda do coberto vegetal a capacidade de concretizar uma normal absorção da água fica comprometida devido à inexistência de raízes de árvores que fixam o solo e que atenuam o impacto da água sobre o mesmo.

Quanto aos cursos de água, como rios e ribeiras, poderão ficar poluídos temporariamente devido às cinzas e outras substâncias transportadas pela escorrência das águas, o que comprometeria a qualidade dos recursos hídricos em várias regiões de Portugal continental.

Risco de movimentos ou deslizamentos de vertente e inundações-relâmpago

O arrastamento de fluxos de detritos, provocado pela ocorrência de aguaceiros fortes num curto espaço de tempo, poderão ser o suficiente para gerar movimentos ou deslizamentos de vertentes, sobretudo em áreas já muito erodidas.

Quanto às zonas em que os solos apresentam baixa permeabilidade ou até mesmo inexistente (solos impermeáveis), a quantidade de água poderá ser superior à capacidade de escoamento, o que se traduziria em inundações-relâmpago (flash floods).

No sábado (21), após praticamente três dias consecutivos com influência da depressão retrógrada nas condições meteorológicas em Portugal continental, os valores percentuais de humidade relativa do ar estarão elevados e superiores a 60% em grande parte da geografia do Continente.

Todos os perigos e riscos apresentados têm o potencial de causar prejuízos materiais e humanos, pelo que, apesar dos inegáveis efeitos benéficos que trazem para o combate aos incêndios, as chuvas também são capazes de gerar efeitos perniciosos.