Estará o fenómeno El Niño na origem do tempo invulgarmente quente e chuvoso previsto para agosto e setembro em Portugal?
O fenómeno El Niño está de volta e uma das suas consequências é o aumento da temperatura global. Será que este padrão climático poderá estar na origem do tempo em Portugal previsto para os próximos meses? Aqui a nossa análise.
Com o El Niño em curso no Pacífico ao longo dos próximos meses, é hora de rever algumas das possíveis consequências à escala global, e em concreto na Europa e em Portugal. Recorde-se que no Atlântico Norte e na Europa, os seus efeitos são indiretos, muito variáveis e possuem uma correlação baixa, mas existem.
O que nos mostram as previsões meteorológicas do ECMWF, os mapas do MetOffice e os mapas do nosso Departamento de Meteorologia na Meteored quanto ao tempo para o trimestre julho-agosto-setembro? O que se prevê em relação à temperatura e precipitação? Poderá estar o El Niño relacionado? Abaixo expomos a nossa análise para os meses deste verão de 2023 em Portugal continental.
O que é o El Niño?
Antes de mais, convém relembrar o que é o El Niño. Na Terra existem vários padrões climáticos, alguns deles à escala regional e outros, como o El Niño, com repercussões à escala global. O famoso ENSO (El Niño-Southern Oscillation) tem consequências nas condições meteorológico-climáticas de todo o globo, apresentando duas fases marcantes designadas El Niño e La Niña. O facto de esta oscilação se encontrar numa ou noutra fase depende da temperatura da superfície do Pacífico Sul.
Num episódio La Niña, a temperatura da superfície do oceano apresenta anomalias negativas muito acentuadas ao largo das costas da América do Sul, como aconteceu entre 2020 e 2023, enquanto que nas mesmas latitudes, no Pacífico ocidental, as temperaturas são mais elevadas.
No caso do El Niño, ocorre exatamente o contrário. Uma das consequências do El Niño é o aumento da temperatura à escala global. O La Niña causa um arrefecimento e, ao ter estado ativo nos últimos anos, a temperatura global foi contida, abrandando temporariamente a tendência de aquecimento global que fomos vivendo na Terra.
E, de facto, ainda que de momento não seja possível atribuir diretamente o El Niño como um detonante das múltiplas ondas de calor e temperaturas altas a que temos assistido nas últimas semanas na Europa do Sul, China e outras partes do globo, o que é certo é que em apenas algumas semanas a temperatura global já aumentou e pulverizou recordes. Além disso, várias populações do globo foram testemunhando incêndios florestais maciços. Como se isto não bastasse, nesta quinta, 27 de julho, a OMM declarou oficialmente julho de 2023 como o mês mais quente da História desde que há registos.
A previsão de El Niño
O El Niño é um padrão meteorológico de grande escala e prevê-lo não é comparável às habituais previsões meteorológicas: não é possível prever um El Niño com grandes pormenores, mas sim em traços gerais e em escalas temporais muito longas. Quanto maior é um fenómeno e quanto mais lenta é a sua evolução, mais previsível se torna a longo prazo.
Enquanto que a habitual previsão meteorológica (trovoadas, depressões, crista anticiclónica) têm uma variabilidade na previsão que vai desde apenas algumas horas até alguns dias ou mais de uma semana, um padrão climático como o El Niño pode ser previsto com vários meses de antecedência. Esta previsão está naturalmente sujeita a uma certa margem de incerteza, pelo que se torna prudente monitorizá-la atentamente.
O tempo em Portugal no trimestre julho, agosto e setembro e a possível relação com o El Niño
Antes de mais, que fique bem assente o seguinte: a previsão sazonal exposta abaixo para os meses estivais em Portugal não está a relacionar diretamente as anomalias de temperatura e precipitação previstas pelos mapas da Meteored com o El Niño, no entanto salienta a possível correlação - normalmente uma correlação baixa climatologicamente falando - que este fenómeno em curso possa vir a ter nos meses vindouros no nosso país e na Europa.
O El Niño não condiciona diretamente o continente Europeu, mas causa impactos indiretos. Isso não significa que devam ser desvalorizados. A grande dúvida aqui reside no facto de saber quais são porque nem sempre são os mesmos.
Então, e o que será que revelam as primeiras tendências meteorológicas dos mapas desenvolvidos na Meteored para agosto e setembro? Será que se alinham com o histórico climatológico observado?
Primeiras previsões para agosto e setembro em Portugal
Julho de 2023 em Portugal continental tem sido caracterizado por um padrão com temperaturas frescas, em geral abaixo da média ou com valores normais, e com tempo, em geral seco, apesar de alguns dias de chuviscos ou chuva fraca nalgumas regiões do país. Isto sugere que o El Niño - normalmente associado ao aumento da temperatura global - não terá tido, até ao momento, qualquer reflexo em Portugal.
No entanto, os nossos mapas - baseados no modelo ECMWF - indicam que tanto agosto, como setembro poderão vir a ser mais quentes do que o normal. Ainda assim, a anomalia térmica positiva não parece ser demasiado elevada. Prevê-se entre 1 ºC a 1,5 ºC acima da média climatológica de referência em quase todo o país, com exceção do extremo Sudoeste.
Esteja ou não o El Niño relacionado com o calor acima do normal em Portugal, estas primeiras tendências para os meses de agosto e setembro apontam para a possibilidade de um tempo mais quente, contrariamente ao mês de julho. Quanto à precipitação, não se prevê qualquer anomalia, de momento, para agosto.
Já setembro, isso sim, poderá ser um mês mais chuvoso do que o normal. Os mapas antecipam uma anomalia de precipitação positiva - entre 5 e 20 mm de chuva acima da média- , destacando-se as Regiões Norte e Centro, e em particular o litoral.
Além das possíveis inundações, também há que destacar a fase de transição de final de verão para outono. Com uma atmosfera mais dinâmica nesta época do ano, há a possibilidade de que a mesma seja mais propícia ao surgimento de trovoadas convectivas.
El Niño: ainda há muito por descobrir
Por fim, é importante realçar que, nas últimas décadas, apesar do avanço nos estudos científicos, os episódios intensos de El Niño foram demasiado poucos para produzir estatísticas pormenorizadas. As características e consequências deste padrão climático ainda estão em análise, mas, ao longo destes próximos meses, a oportunidade de aprender um pouco mais sobre o El Niño deverá tornar-se possível, quer no mundo, quer na Europa e em Portugal.