Especialistas alertam para um forte abrandamento do fluxo zonal. Eis como poderá afetar o tempo na Europa e em Portugal

Vários especialistas do tempo e do clima preveem que muito em breve ocorrerá um forte abrandamento do fluxo zonal. Saiba os possíveis efeitos para o tempo na Europa e em Portugal a curto e médio prazo!
Com base na mais recente atualização dos principais modelos meteorológicos, como o ECMWF ou GFS, vários especialistas do tempo e clima parecem estar em sintonia: uma forte diminuição do fluxo zonal ocorrerá a curto/médio prazo no hemisfério Norte, possivelmente provocada ou associada a um evento de aquecimento súbito estratosférico.

Antes de avançarmos com os possíveis efeitos desta ocorrência para o estado do tempo a curto/médio prazo na Europa e em Portugal, é preciso compreendermos conceitos como o aquecimento súbito estratosférico, o vórtice polar e o fluxo zonal, bem como a ligação entre eles.
O que é um evento de aquecimento súbito estratosférico?
Um evento de ASE (Aquecimento Súbito Estratosférico) ocorre quando uma porção da estratosfera sofre um aquecimento muito rápido, com aumentos que podem atingir os 50 °C em poucos dias. A estratosfera é a segunda camada da atmosfera da Terra e estende-se desde 10 a 20 km acima da superfície da Terra até mais de 50 km. Os ASE’s costumam acontecer no inverno, tendo o potencial de causar alterações consideráveis na dinâmica atmosférica na troposfera.
A forma como o ASE intervém no tempo à superfície deve-se a uma reação em cadeia. O primeiro elo é uma modificação do fluxo (ou circulação) associado ao vórtice polar, dias ou semanas após o evento de ASE. O vórtice polar consiste num ciclone persistente de ventos fortes e a grande escala que se forma acima do pólo, na estratosfera, a uma altitude de 15-20 quilómetros. Trata-se, portanto, de um enorme vórtice ciclónico, com ventos muito fortes que sopram de oeste para leste.
Sabe o que é o #vórticepolar?
— Meteored | Tempo.pt (@MeteoredPT) February 3, 2025
Este pode provocar vagas de frio. Entenda aqui como funciona.
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Quanto mais forte for o vórtice, menos visíveis serão os efeitos do frio à superfície. Um vórtice polar forte significa que o ar frio fica confinado por uma espécie de barreira invisível, incapaz de se deslocar para sul. Por outro lado, quando o vórtice polar se torna mais fraco, o ar frio contido no Ártico consegue fluir para sul, rumo a latitudes mais meridionais, podendo potencialmente causar fortes vagas de frio nas latitudes médias e altas.
Para que estas intrusões de ar muito frio ocorram, o vórtice polar precisa de enfraquecer e propagar-se verticalmente para a troposfera. Porém, isto nem sempre acontece, dado que o vórtice polar ocorre longe da superfície, a grandes altitudes.
Fluxo zonal e as várias possíveis consequências do seu enfraquecimento para o tempo na Europa e em Portugal
O fluxo zonal consiste basicamente na circulação dita “normal” dos ventos, que sopram tipicamente de oeste para leste e que dão origem às já famosas tempestades e frentes atlânticas que em Portugal costumam ocorrer com muita frequência no inverno e ocasionalmente no outono e na primavera.
Ora, quando um ASE acontece, os ventos do vórtice polar perdem muita intensidade - algo que parece agora ter sido confirmado pelos especialistas no recurso às cartas de previsão sinóptica projetadas pelos vários modelos meteorológicos de referência - ou podem mesmo inverter a direção, passando a soprar de leste para oeste.

Noutras situações, o vórtice polar chega mesmo a quebrar-se em duas partes e a mudar de posição. Isto pode desencadear a chegada de ar polar a latitudes mais baixas. A atividade das depressões barométricas (ou tempestades) pode intensificar-se substancialmente, dando origem a períodos de chuva forte e vento intenso nalgumas regiões do Hemisfério Norte.
No entanto, um ASE não implica necessariamente que as alterações se propaguem para a troposfera. Mesmo que o referido enfraquecimento do vórtice ocorra, as consequências não têm necessariamente de se fazer sentir em Portugal ou outros países europeus; o ar frio pode acabar por se espalhar para outros continentes ou países do Hemisfério Norte, como a Ásia e os EUA.
O que prevê o modelo Europeu para as próximas semanas?
Tudo indica que para a primeira semana de abril o anticiclone de bloqueio continuará a ser o padrão dominante. Porém, como este centro de ação apresentará uma grande mobilidade, tenderá a localizar-se sobre o centro e o norte da Europa.
A strong zonal decrease is ahead pic.twitter.com/occJTd44rn
— PV-Forecast (@PvForecast) March 26, 2025
Esta situação poderá abrir a porta a uma nova mudança no estado do tempo em Portugal, que poderá ocorrer logo na terça, 1 de abril nalgumas zonas devido à possibilidade de aguaceiros dispersos. Mas esta mudança seria ainda mais percetível em termos de área geográfica abrangida nos dias seguintes, especialmente na quinta (3) e na sexta (4), devido à possível chegada de uma gota fria que traria aguaceiros e trovoadas ao nosso país.
Com o forte abrandamento do fluxo zonal previsto, possivelmente associado ao enfraquecimento do vórtice polar e ao desenrolar do aquecimento súbito estratosférico, são expectáveis mudanças no padrão meteorológico dominante.

Embora as tendências a longo prazo do modelo Europeu sugiram a continuidade do padrão de bloqueio pelo menos até 10 de abril - o que implica uma certa variabilidade de estados de tempo (alternância entre dias soalheiros e dias chuvosos ou instáveis consoante a posição do mencionado anticiclone) - alguns cenários do conjunto de cenários probabilísticos do modelo ECMWF apostam no aparecimento do padrão de crista atlântica para o período entre os dias 5 e 11 de abril; e a poder prolongar-se até meados do mês (dia 15).
Tendo estes dois padrões em conta, abre-se a possibilidade para novas alterações no panorama atmosférico dos próximos dias e semanas - incluindo para lá do dia 15 de abril - quando o efeito do abrandamento do fluxo zonal já for maior -, o que implica uma maior incerteza para a previsão dos estados do tempo em Portugal, bem como uma provável maior variabilidade meteorológica.

Esta configuração - Aquecimento Súbito Estratosférico e o forte abrandamento do fluxo zonal confirmado pelos especialistas -, abre a via a grandes contrastes regionais no que diz respeito à distribuição de precipitação e à temperatura do ar na nossa geografia continental e insular, com vários possíveis cenários à espreita.
Um deles consiste na possibilidade do regresso do tempo chuvoso e instável a Portugal, embora dificilmente com o carácter extraordinário das tempestades atlânticas de março, pois agora as depressões mais comuns tendem a ser gotas frias ou depressões isoladas em altitude que trazem precipitação convectiva (aguaceiros e trovoadas). Mesmo assim, a possibilidade de precipitação do tipo frontal (depressões atlânticas) não deve ser excluída.
Outro dos possíveis cenários para Portugal tem a ver com a possibilidade de episódios invernais tardios, associados às já referidas intrusões de ar frio provenientes do enfraquecimento do vórtice polar, o que se traduziria em muito frio, precipitação, neve e vento, em pleno mês primaveril como é o de abril.
Por fim, outro dos possíveis cenários tem a ver com as altas pressões providenciadas pela proximidade do anticiclone a Portuga. Isto resultaria geralmente em dias soalheiros, secos e estáveis, mas sempre com o risco de instabilidade localizada devido à intromissão ocasional de alguma área de baixa pressão.