Porque é tão importante falar da “temperatura de bolbo húmido”?
Vários países no mundo têm sofrido sucessivas ondas de calor durante o ano de 2022. Em vários países, as investigações têm salientado a importância de conhecer-se a "temperatura de bolbo húmido" para a análise do stress térmico. Saiba mais aqui!
Vários países sofreram, entre março e maio deste ano, várias ondas de calor, que expuseram mais de mil milhões de pessoas a condições particularmente quentes. A Índia quebrou vários recordes de temperatura e o mês de março foi o mais quente da história. Deli registou, em maio de 2022, uma temperatura superior a 49 ºC.
O recorde de calor extremo também se registou noutros locais, incluindo o Reino Unido, onde se quebrou o recorde de temperatura anterior com mais de 40ºC. Portugal atingiu 47 ºC na estação meteorológica da Amareleja, a 15 de julho de 2022, o dia mais quente de julho alguma vez registado. Em França, várias localidades também registaram novos máximos.
Estas ondas de calor reacenderam o debate sobre a forma como se pode proteger as pessoas perante o aumento de temperatura e até que ponto se consegue suportar o calor.
O principal problema com que nos deparamos na comunicação social prende-se com o facto de que apenas consideram os valores de temperatura, quando a humidade desempenha um papel crucial no modo como experienciamos o calor.
Em algumas áreas geográficas, investigações recentes apontaram para a aproximação aos limiares superiores de temperatura e humidade necessários para a sobrevivência humana, conhecido por “temperatura de bolbo húmido”. Este é o conceito que aqui apresentamos e que é tão útil quando falamos em stress térmico associado ao calor.
O que é, então, a “temperatura de bolbo húmido”?
A “temperatura do bolbo húmido” resulta da combinação da temperatura do ar seco (a que se vê num termómetro) com a humidade do ar. Se se colocar um pano húmido sobre o bolbo ou sensor do termómetro, a água ao evaporar do pano irá arrefecê-lo. Esta temperatura é a do "bolbo húmido" já que, em termos simplificados, não conseguirá ultrapassar a temperatura seca.
Efetivamente, trata-se de uma medida das condições de stress térmico humano. A título de exemplo, se a humidade do ar for elevada, o ar estará mais saturado com água e ocorrerá menor evaporação. Desta forma, a “temperatura de bolbo húmido” será mais próxima da temperatura seca. Esta medida é fundamental, pois permite-nos entender o modo como nos conseguimos refrescar durante os períodos em que estamos a suar.
Não será de descurar que a humidade e a temperatura não são os únicos fatores que afetam a temperatura do corpo humano. A radiação solar e a velocidade do vento são outros fatores muito relevantes, a par dos fatores individuais e subjetivos associados ao estado de saúde, ao vestuário, à idade e até ao género do indivíduo.
Quando é que a "temperatura do bolbo húmido" é particularmente perigosa para o ser humano?
A preocupação com a “temperatura de bolbo húmido” situa-se no limiar (valor crítico) a partir do qual uma pessoa saudável apenas conseguirá sobreviver por seis horas. Segundo um estudo de 2010, este valor é fixado em 35 ºC, o que equivale a uma temperatura do ar de 40 ºC e humidade relativa de 75%. Mais recentemente, um estudo apontou para um valor crítico próximo de 31,5 ºC.
Por norma, o ser humano regula a temperatura interna do corpo através da transpiração. Contudo, assim que é atingido o limite da “temperatura de bolbo húmido”, não é possível o arrefecimento desta forma, originando um aumento da temperatura corporal constante. Não sendo possível escapar a estas condições, a temperatura no core do corpo humano pode subir continuamente e os órgãos poderão começar a falhar.
E em que áreas geográficas o valor crítico da "temperatura de bolbo húmido" pode ser alcançado?
O risco de ultrapassar o limiar de “temperatura de bolbo húmido” é maior em alguns contextos geográficos do que noutros. Um estudo de 2021 aponta que alguns locais subtropicais costeiros já experimentaram "temperaturas de bolbo húmido" de 35ºC em apenas algumas horas. A frequência deste tipo de ocorrência poderá aumentar e a proporção de território afetado ser maior, patenteando uma correlação direta com o aquecimento global.
Tal já se vai, aliás, verificando. Se realizarmos uma retrospetiva temporal, entre 1979 e 2017, ocorreu o dobro de vezes nas quais o valor de “temperatura de bolbo húmido” ultrapassou os 30 ºC, 1000 ocorrências com 31 ºC e cerca de uma dúzia acima de 35 ºC em territórios como o Paquistão, a Índia, a Arábia Saudita, o México e a Austrália.
Desta forma, é importante não esquecermos que as ondas de calor são uma das principais manifestações da crise climática em que estamos enredados. O estudo apresentado à Geophysical Research Letters, em 2021, aponta para o aumento de 0,9 ºC de “temperatura de bolbo húmido” por cada 1 ºC de aquecimento médio.
Assim, se pensarmos no valor limite de aquecimento global a 1,5 ºC acima da era pré-industrial, impedir-se-ia a maior parte da zona tropical de atingir o limite da sobrevivência dos 35 ºC. É particularmente significativo se considerarmos que atualmente nesta área geográfica vivem aproximadamente 40% da população mundial!