Os efeitos do clima na ceia de Natal
Uma das problemáticas abordadas na conferência da ONU, que decorreu na Polónia no início do mês, foi o risco que o bacalhau corre, em se tornar um refugiado climático, se as águas oceânicas continuarem a aquecer e acidificar.
Com origem no latim baccalaureu, e de designação cientifica Gadus morhua, variando dorsalmente entre o acastanhado, esverdeado ou cinzento, e mais pálido ventralmente, sendo no geral prateado, é o peixe comummente chamado de bacalhau, cuja importância na dieta humana é milenar!
Indícios sugerem que, foram os Vikings, no século VIII, o primeiro povo a utilizar o bacalhau na sua dieta. Já o secavam, mas sem utilização de sal, faziam-no ao ar livre, até que perdesse aproximadamente quase a quinta parte do seu peso, e endurecesse o suficiente, para ser consumido aos pedaços nas longas viagens que faziam pelos mares. E, foi responsabilidade do povo Basco, a salga do bacalhau! Nas vertentes dos Pirenéus Ocidentais, salgavam-no e depois secavam-no nas rochas, ao ar livre, para que o peixe fosse melhor conservado. Existem registos de que, já no ano 1000 se comercializava bacalhau curado, salgado e seco, mas em Portugal, os primeiros indícios de captura e consumo de bacalhau remontam ao século XV, tendo sido os portugueses, o primeiro povo a pescar bacalhau na Terra Nova (Canadá).
Pelo seu baixo custo (num passado não muito distante), e facilidade de conservação, o bacalhau salgado seco, representava uma enorme importância na dieta dos portugueses, tendo adquirido o cognome de “fiel amigo”. Não obstante, o bacalhau continua a garantir o sucesso obtido no passado, essencialmente devido às suas características organoléticas, e à sua versatilidade enquanto ingrediente de uma extensa panóplia de receitas gastronómicas.
O seu habitat distribui-se ao longo da costa Leste dos EUA, costa Este e Oeste da Gronelândia, até à Islândia, e costas Europeias do Golfo da Biscaia ao Mar de Barents, incluindo a região ao longo das Ilhas Bear. Com elevado valor comercial (muito mais do que o seu congénere do Pacifico), anualmente é capturado cerca de 1 milhão de toneladas de bacalhau do Atlântico, encontrando-se os peixes maiores em águas que atingem um máximo de 5⁰C.
Alterações nas temperaturas, impactuam na fauna marítima?
Investigações desenvolvidas pela NOAA e publicadas na revista Science, alertam que o aquecimento das águas do Golfo do Maine (costa Nordeste americana), tem relação directa com o desaparecimento do bacalhau em New England (EUA). Uma exaustiva recolha e análise de dados, permitiu correlacionar o aumento da temperatura da água, com a diminuição da reprodução dos peixes, a escassez desta espécie na região, encontra-se num perigoso patamar, considerado pelos biólogos, abaixo do nível sustentável. Foi verificado que, desde 1982, as águas do Golfo do Maine aqueceram de modo muito mais acelerado do que nos restantes oceanos do planeta. Um acentuado aumento de temperatura relacionado, quer com o aquecimento da atmosfera, quer com alterações verificadas na corrente do Golfo.
O planeta, assim como os humanos, animais e plantas, é vulnerável a oscilações na temperatura!
Considerar, por exemplo que, sendo a temperatura corporal normal do Homem 37°C, e que um aumento de 0,8°C caracteriza já um quadro febril, quais poderão ser as consequências de um aumento de 1,5 a 2⁰C na “saúde” do planeta?
Considerar igualmente, a fragilidade dos mais novos. O aquecimento e acidificação das águas implica directamente no desenvolvimento embrionário dos "pequenos bacalhaus" e obviamente, com todas as outras espécies. Estes necessitam de temperaturas na ordem dos 3⁰C para se poderem desenvolver sem deformações, do mesmo modo que, um pH superior a 7,7 é capaz de dizimar entre 20 a 30% o número de embriões.
A situação é de extrema importância. O colapso do bacalhau em New England deverá servir como alerta estridente! Perante o cenário de sobrepesca, excessiva poluição marítima, e alterações nos padrões climáticos, até quando continuaremos a ter o fiel amigo na ceia de Natal?