Calor extremo causou mais de 61 mil mortes no verão de 2022
Um estudo recente do Instituto de Salud Global de Barcelona revela o número de mortes associadas ao calor registadas no tórrido verão de 2022. Os dados são alarmantes. Estaremos adaptados para esta nova e brutal realidade? Veja mais aqui!
O verão do ano passado (2022) é considerada a estação mais quente já registada na Europa, segundo a Copernicus, o Programa de Observação da Terra da União Europeia. Um cocktail de ondas de calor, seca, incêndios rurais (vulgos florestais) e o aumento de emissões foram os ingredientes que levaram as temperaturas para máximos históricos nesse ano.
Globalmente, os últimos 8 anos foram os mais quentes já registados e o ano de 2022 foi o segundo mais quente na Europa e o quinto mais quente de sempre, em todo o mundo. O velho continente surge como um importante hotspot climático (ou seja, uma região mais vulnerável às alterações climáticas) dado que o aquecimento verificado desde os níveis pré-industriais (1850-1900) é 1º superior ao correspondente aumento global e superior a qualquer outro continente. Quer isto dizer que a temperatura na região subiu cerca de 2,3°C face ao período supracitado, segundo um recente relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).
Portugal é disso exemplo claro. Segundo o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), o maior número total de dias em onda de calor já registados, 918 dias, ocorreu no verão de 2022, com a contribuição significativa da região Nordeste. Nesta região, em algumas estações meteorológicas verificaram-se 4 ondas de calor, a que correspondeu um total de dias superior a 40 em onda de calor, como são os casos de Bragança, Mirandela e Carrazeda de Ansiães com 44, 42 e 41 dias, respetivamente.
É manifesto que as temperaturas estão a subir de forma acelerada e os eventos climáticos extremos estão a tornar-se cada vez mais frequentes, face a uma cada vez mais evidente concentração de gases de efeito estufa, fruto das emissões antrópicas.
Impactos na morbilidade e mortalidade
Ora, exposição ao calor representa uma grande ameaça para populações de alto risco na Europa e no mundo, contribuindo substancialmente para o aumento da morbilidade e mortalidade.
A mortalidade relacionada ao calor tem sido uma grande preocupação nas últimas duas décadas na Europa, especialmente após o excesso de 71.449 mortes registadas durante os meses de junho, julho, agosto e setembro de 2003. Estas mortes foram atribuídas, sobretudo, a ondas de calor.
Os impactos desse ano implacável na saúde humana, revelou deficiências e aumentou consideravelmente a consciência social sobre estes fenómenos e levou à tomada de planos de prevenção do calor, incluindo estratégias de adaptação, preparação e resposta, ações de intervenção e sistemas de alerta precoce de calor, que pudessem reduzir o impacto da temperatura ambiente sobre a saúde, mas a realidade é que a evidência da sua eficácia ainda é limitada.
O ano de 2022 mostra-nos que não estamos, ainda, efetivamente preparados para fazer face a estes eventos, num mundo em desregulação climática. O porquê, perceberemos em seguida.
O European Statistical Office, Eurostat, relatou, para o ano de 2022, taxas de mortalidade extraordinariamente altas e, recentemente, um estudo realizado pelo Instituto de Salud Global de Barcelona (ISGlobal), em colaboração com o Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale (Inserm), publicado na revista Nature Medicine, vem quantificar as mortes atribuíveis ao calor extremo no verão desse ano.
O estudo concentra a sua análise no período de 30 de maio e 4 de setembro de 2022, 14 semanas de observação. Para conseguir estabelecer uma relação clara entre a mortalidade e o calor, os investigadores utilizaram dados da temperatura e mortalidade para o período 2015-2022, em 823 regiões de 35 países europeus.
Para o período de análise, o estudo estima que tenham existido 61.672 mortes atribuíveis ao calor. O período de 11 de julho e 14 de agosto foi o mais problemático, com 38.881 mortes, explicáveis por uma importante anomalia térmica registada. Aliás, nesse período, entre os dias 18 e 24 de julho, registou-se uma intensa onda de calor pan-europeia, à qual o estudo atribui um total de 11.637 mortes.
As regiões e os países mais afetados
Itália (18.010 mortes) , Espanha (1.324), Alemanha (8.173), França (4.807), Reino Unido (3.469) tiveram os maiores números de mortalidade relacionados com calor do verão passado. Portugal terá registado 2.212 vítimas mortais no período analisado.
Já as maiores taxas de mortalidade foram registadas em Itália (295 mortes por milhão), Grécia (280 óbitos por milhão), Espanha (237) e Portugal (211) e Bulgária (176).
Em relação à população, o estudo estima revela que o calor extremo afetou sobretudo a população feminina, julgando-se terem ocorrido 56% mais mortes relacionadas com o calor em mulheres (35.406 óbitos, 145 mortes por milhão ) do que em homens (21.667 mortes, 93 mortes por milhão).
A maior vulnerabilidade da população feminina ao calor é observada principalmente, nas faixas etárias superiores a 80 anos, onde a taxa de mortalidade é 27% maior que a da população masculina. Em contraste, a taxa de mortalidade nos homens é 41% superior nas idades inferiores a 65 anos e 13% maior entre os 65 e 79 anos.
O estudo revela também um aumento muito acentuado da mortalidade nas faixas etárias mais avançadas. Estima-se que tenham ocorrido 4.822 óbitos entre os menores de 65 anos, 9.226 óbitos entre 65 e 79 anos e 36.848 entre os maiores de 79 anos.
Será que aprendemos com o passado? E o futuro, o que nos reserva?
Como se havia explanado, o ano de 2022 mostra-nos que não estamos preparados para fazer face a estes eventos extremos, afinal, talvez não tenhamos sido capazes de aprender com o passado ou, pior, ainda não estejamos, sequer, preparados para o alarmante futuro. Vale a pena recordar, como se referiu, que o continente europeu aumentou duas vezes mais a sua temperatura que a média global.
“O facto de no verão de 2022 mais de 61.600 pessoas terem morrido de calor na Europa, apesar de, ao contrário de 2003, muitos países já terem planos ativos de prevenção, sugere que as estratégias de adaptação que temos hoje podem ainda ser insuficientes” , afirma Hicham Achebak , coautor do estudo.
As projeções de mudanças climáticas para o velho continente indicam que as temperaturas e os seus impactos na saúde aumentarão em ritmo acelerado, a menos que fortes ações de mitigação e adaptação sejam implementadas.
Na ausência de uma resposta adaptativa eficaz, a Europa enfrentará uma média de mais de 68.000 mortes prematuras a cada verão até 2030 e mais de 94.000 até 2040, aponta o estudo. Uma expectativa verdadeiramente preocupante.