A maré do abacate!
A espécie humana foi encetando uma odisseia de sobrevivência através da exploração e destruição da natureza, menosprezando que Homem e Natureza coexistem num mesmo habitat, no qual o primeiro é dependente do segundo, mas o inverso não é verdadeiro.
Todas as modas são cíclicas, e eventualmente o exaurido consumismo pelo pretenso saudável verde, terá também o fim do seu período temporal, contudo, enquanto esse términus não acontece, vai-se escamoteando toda e qualquer porção de solo, para responder à “insaciável” necessidade humana pela felicidade que a comida proporciona.
É inegável que a ingestão de produtos fruto-hortícolas, em quantidades adequadas, está associada à prevenção e/ou redução do risco de alguns tipos de doença. Estes, constituem uma importante fonte de vitaminas, sais minerais, fibras, uma grande variedade de compostos antioxidantes, e com baixo valor energético, sendo por tudo isso, alimentos essenciais na saúde humana.
Nunca antes se cultivou tanto o consumo de “alimentos saudáveis” como na actualidade, e a responsabilidade disso, reside obviamente na globalização, que permite o conhecimento de espécies não nativas, assim como o rápido comércio das mesmas a nível planetário.
Falemos do Abacate
Ingrediente base da alimentação nativa no México e América Central, um fruto exótico com excelentes características organoléticas, viu a sua fama atravessar fronteiras com a “moda do saudável”. Lembremos que, o habitat natural do abacateiro, são solos húmidos e com boa capacidade de drenagem, com elevada precipitação, clima tropical ou subtropical. Ora, para se produzir um quilograma de fruto, são necessários dois mil litros de água. Uma pegada hídrica, 4 vezes superior à necessária para se produzir 1 Kg de laranjas, e dez vezes mais, do que a água necessária para 1 Kg de tomates!
Algumas regiões chilenas, que até há pouco lutaram para erradicar as “dúbias” plantações de marijuana, viram no cultivo do abacate uma possibilidade de meio de subsistência. Trata-se de uma região à mercê de um grupo climático semiárido frio, com escassa precipitação, e que por isso, por cada hectare com este tipo de cultivo, necessita de cerca de 100 mil litros de água por dia, o equivalente à necessidade diária de mil pessoas!
Como sempre, a necessidade aguça o engenho, e para suprir as carências de irrigação das culturas, redirecionam-se os cursos de água através de canos e poços ilegais. O resultado são rios secos e aquíferos em níveis abaixo do mínimo, um grave estado de seca que obriga ao abastecimento racionado da água (até para beber) através de camiões – 50 Lts/dia/pessoa ao que acresce o problema da (im)potabilidade.
Um cenário de delicada gravidade
Não é só o abacate que necessita de água. Os seres humanos também! E um cenário de escassez de água despoleta doenças e “impasses”, como, escolher entre cozinhar e lavar, ir à casa de banho em buracos no chão ou em sacos de plástico, por contraste com o contínuo e crescente enriquecimento das empresas agrícolas que se dedicam a esta cultura, e a comercializam nas mais diversas cadeias de supermercados mundiais. A título de exemplo, só num ano, o Reino Unido importou mais de 17 mil toneladas de abacates, verificando-se um aumento de cerca de 27% na procura.
As monoculturas (e no caso, do abacate) não prejudicam só o ambiente, os ecossistemas, afectam igualmente a subsistência dos habitantes locais, considerando que são as propriedades agrícolas que asseguram os postos de trabalho, é criado um sentimento antagónico de necessidade vs inevitabilidade.
O consumo desregrado, desenfreado, e a forma de produção desses bens, mais cedo ou mais tarde, personifica-se no caos ambiental, e, lamentavelmente, a humanidade ainda só consegue vislumbrar a “oferta do presente”!