Voos mais sustentáveis: pagar pelo peso pessoal e da bagagem pode ser a solução para reduzir emissões no setor aéreo

Um estudo analisou a aceitação de políticas de tarifas aéreas baseadas no peso de passageiros e bagagens. Embora controverso, o modelo pode reduzir emissões e incentivar viagens mais leves. Contudo, questões éticas levantarão ainda debates intensos.

Política voos preços
Estudo publicado por equipa da Universidade de New Hampshire (UNH) analisou a perceção pública sobre a política de preços de viagens assente no preço com resultados polarizadores.

Com a crescente preocupação com a sustentabilidade e a redução de emissões no setor dos transportes, o debate sobre políticas inovadoras no transporte aéreo tem vindo a ganhar expressão. Entre as opções mais controversas está o modelo de tarifas aéreas baseadas no peso, que considera o peso dos passageiros e das suas bagagens como critério para o cálculo dos preços.

Um estudo recente, liderado pela Universidade de New Hampshire (UNH), analisou a perceção pública sobre estas políticas e revelou resultados polarizadores, algo já seria expectável à partida. No entanto, damos-lhe conta de algumas conclusões.

Sustentabilidade versus privacidade no setor da aviação

O estudo, publicado na revista Transportation Research Part A: Policy and Practice, envolveu mais de 1000 turistas dos Estados Unidos e avaliou três modelos tarifários: um modelo padrão, onde todos pagam o mesmo preço; um modelo com limites, onde passageiros acima de um determinado peso pagam uma taxa adicional; e um modelo baseado na unidade de peso corporal e da bagagem, onde o preço é diretamente proporcional ao peso total transportado.

Markus Schuckert, professor de gestão hoteleira e coautor do estudo, explicou que o objetivo da investigação foi avaliar se estas políticas poderiam tornar as viagens aéreas mais sustentáveis. “O peso do avião afeta diretamente o consumo de combustível e, consequentemente, as emissões de carbono. Reduzir o peso total a bordo pode ser um passo importante para um futuro mais ecológico na aviação”, afirmou.

No entanto, a aceitação dos modelos baseados no peso foi limitada. Mais de metade dos participantes preferiu o modelo padrão, considerando-o mais ético e menos discriminatório. Entre os principais argumentos contrários às tarifas baseadas no peso estão a potencial discriminação contra pessoas com maior peso corporal, os fatores de acessibilidade e o impacte de questões económicas e nutricionais.

Curiosamente, o estudo revelou um maior apoio às tarifas baseadas no peso entre os jovens (18-35 anos), com uma aceitação quase 20% superior à dos turistas com mais de 65 anos. Além disso, os passageiros com rendimentos mais elevados ou que viajam frequentemente mostraram-se 25% mais favoráveis a estas políticas em comparação com pessoas de menor rendimento ou com menos experiência em viagens aéreas.

Apesar da resistência de alguns grupos, a análise demonstrou que a introdução de incentivos financeiros poderia aumentar a aceitação. Por exemplo, uma redução de 20% nas tarifas para viajantes mais leves resultaria num aumento significativo de adesão a políticas baseadas no peso.

Impacte ambiental e comportamento do consumidor

De facto, as emissões do setor aéreo são um dos maiores desafios para a sustentabilidade global, representando 2,5% das emissões globais de carbono. Para além disso, o impacte das emissões em altitude é amplificado, tornando essencial encontrar soluções mais inovadoras.

Segundo os autores do estudo, a introdução de políticas tarifárias baseadas no peso poderia ter três efeitos-base positivos:

  1. A redução do peso total a bordo, diminuindo o consumo de combustível.
  2. A mudança comportamental dos passageiros, incentivando a levar menos peso em bagagens.
  3. O investimento em projetos de descarbonização, com os lucros gerados pelas tarifas adicionais.

Mesmo assim, a aceitação destas políticas parece estar mais associada a benefícios pessoais do que à preocupação ambiental. Os passageiros mais jovens e conscientes do impacte ambiental tendem a valorizar mais as iniciativas de compensação de carbono do que os mais velhos.

Também a implementação prática de políticas baseadas no peso enfrenta alguns desafios. As questões relacionadas com a privacidade, discriminação e viabilidade operacional tornam o tema delicado. Medir o peso dos passageiros no momento do check-in, por exemplo, pode ser visto como invasivo e pouco prático.

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O estudo apontou três efeitos positivos das políticas tarifárias assentes no peso, mas persistem dúvidas quanto às questões de privacidade e equidade.

Alternativas, como a utilização de tecnologias automáticas, estão a ser consideradas. Por exemplo, os tapetes de pressão nos aeroportos poderiam calcular o peso total sem expor publicamente os dados dos passageiros. Outro ponto em discussão é a possibilidade de adaptar os assentos a bordo para oferecer mais espaço a passageiros que paguem tarifas superiores, como sugerido por investigadores.

O futuro das viagens sustentáveis

Os resultados deste estudo destacam uma divisão clara entre preocupações ambientais e questões de privacidade e equidade. Enquanto algumas companhias aéreas começam a adotar medidas para reduzir emissões, como taxas ambientais ou opções de compensação de carbono, o modelo baseado no peso ainda não ganhou tração significativa.

“A nossa intenção não é promover estas políticas, mas abrir espaço para um debate mais amplo sobre como o setor pode evoluir para reduzir emissões sem comprometer a ética ou a experiência do cliente”, destacou Schuckert.

Os investigadores sublinham que o setor aéreo enfrenta uma pressão crescente para adotar práticas mais sustentáveis, especialmente perante um público cada vez mais consciente das alterações climáticas. No entanto, encontrar o equilíbrio entre eficiência ambiental e equidade continuará a ser um desafio para as próximas décadas.

Enquanto isso, o estudo sugere explorar alternativas menos controversas, como incentivos para viagens leves ou iniciativas de sustentabilidade que integrem a justiça social. Afinal, a transição para um futuro mais verde na aviação depende não apenas de soluções técnicas, mas também de um consenso social amplo.

Referência da notícia

Masiero, L., Zoltan, J., Tolkach, D., Pratt, S., Jørgensen, M. T., Schuckert, M., & Chon, K. (2024). Assessing air traveler preferences for pay-per-weight pricing. Transportation Research Part A: Policy and Practice, 190, 104302. https://doi.org/10.1016/j.tra.2024.104302