Um terramoto mudou o curso do Ganges há milhares de anos: Poderá voltar a acontecer? Esta é a resposta dos especialistas

Novo estudo publicado na Nature Communications afirma que um grande terramoto ocorrido há 2.500 anos fez com que um dos maiores rios da Terra mudasse abruptamente de curso. Poderá isto ocorrer novamente? Esta é a resposta de peritos do Bangladesh, Países Baixos, EUA, Alemanha e Áustria.

rio Ganges
O rio Ganges é parte integrante do segundo maior sistema fluvial do mundo.

O grande terramoto, até agora não documentado, redirecionou o canal principal do rio Ganges no que é hoje o Bangladesh, um território densamente povoado e que continua vulnerável a grandes tremores de terra.

Mudanças nos cursos dos rios já foram observadas anteriormente… mas nunca uma tão grande como esta

As avulsões fluviais constituem um conjunto de processos que culmina com a mudança no curso de um rio e são frequentemente documentadas pelos cientistas, incluindo algumas desencadeadas por terramotos.

O Ganges nasce nos Himalaias e corre ao longo de cerca de 2574 quilómetros, acabando por se combinar com outros grandes rios, incluindo o Brahmaputra e o Meghna, para formar um labirinto de cursos de água que desaguam numa vasta extensão da Baía de Bengala, abrangendo o Bangladesh e a Índia. Em conjunto, formam o segundo maior sistema fluvial do mundo, medido em termos de caudal, sendo o Amazonas o primeiro.

Porém, segundo pensa o coautor do estudo Michael Steckler, geofísico e investigador do Earth Observatory Lamont-Doherty (Columbia Climate School), nunca antes tinha sido visto “uma tão grande em lado nenhum”. “Poderia facilmente ter inundado qualquer pessoa ou coisa que estivesses no sítio errado à hora errada”, disse ele.

De acordo com o estudo, "Numerosas outras características sísmicas eram evidentes na exposição sedimentar, incluindo (a) camada de areia estruturada em forma de prato e convoluta (inset de Obermeier, 2009111), (b, c) tubos e microfractura preenchidos com lama, (d) clastos de lama brechada e (e) mistura da camada de areia convoluta (painel a) e dique de areia transversal". Fonte: Nature Communications

Liz Chamberlain, autora principal do estudo e professora assistente na Universidade de Wageningen, nos Países Baixos, disse: "Não estava anteriormente confirmado que os terramotos pudessem provocar avulsão nos deltas, especialmente num rio imenso como o Ganges".

Imagens de satélite ajudaram os autores do estudo a detetar o que terá sido provavelmente o antigo canal do rio

O Ganges sofre periodicamente pequenas ou grandes alterações de curso sem qualquer contributo dos terramotos, tal como outros rios que atravessam grandes deltas. Os sedimentos arrastados de montante assentam e acumulam-se no canal, até que eventualmente o leito do rio se torna algo mais alto do que a planície de inundação circundante.

A dada altura, a água rompe o canal e começa a construir um novo caminho para si própria. Mas isso geralmente não acontece de uma só vez, podendo levar a inundações sucessivas ao longo de anos ou décadas.

Segundo Steckler, "uma avulsão causada por um terramoto, por outro lado, pode ocorrer mais ou menos instantaneamente".

Quando Chamberlain e outros investigadores estavam a explorar esta área em 2018, depararam-se com uma escavação recente para uma lagoa que ainda não tinha sido enchida com água.

Num dos flancos, avistaram diques verticais distintos de areia de cor clara a cortar camadas horizontais de lama. Esta é uma característica bem conhecida criada pelos terramotos: nestas áreas aquosas, os abalos contínuos podem pressurizar as camadas de areia enterradas e injetá-las para cima através da lama sobrejacente. O resultado: verdadeiros vulcões de areia, que podem irromper à superfície. Aqui, os chamados sismitos tinham 30 ou 40 centímetros de largura, atravessando 3 ou 4 metros de lama.

O resultado dos abalos contínuos de terramotos traduz-se na formação de sismitos, verdadeiros vulcões de areia que irrompem à superfície, atravessando várias camadas de lama.

Recorrendo às imagens de satélite, os autores do novo estudo detetaram o que consideram ter sido provavelmente o antigo canal principal do rio, a cerca de 100 quilómetros a sul da capital do Bangladesh, Dhaka. É uma zona baixa com cerca de 1,5 quilómetros de largura que se encontra intermitentemente ao longo de cerca de 100 quilómetros, mais ou menos paralela ao atual curso do rio. Cheia de lama, inunda-se frequentemente e é utilizada principalmente para o cultivo de arroz.

cultivo de arroz Bangladesh
Arrozal situado no distrito de Naogaon, perto do rio Jamuna, um dos principais afluentes do Ganges.

Análises químicas mostram que tal evento sísmico, de magnitude 7 ou 8, terá tido lugar há 2500 anos

Investigações posteriores revelaram que os sismitos estavam orientados num padrão sistemático, sugerindo que foram todos criados simultaneamente. Análises químicas de grãos de areia e partículas de lama mostraram que as erupções e o abandono e enchimento do canal ocorreram há cerca de 2.500 anos.

Além disso, havia um sítio semelhante a cerca de 85 quilómetros a jusante, no antigo canal, que se tinha enchido de lama ao mesmo tempo. Deste modo os autores concluem que se tratou de uma grande avulsão súbita, desencadeada por um terramoto de magnitude estimada em 7 ou 8.

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Os investigadores dizem que há duas possíveis fontes para o grande terramoto ocorrido. Uma delas é uma zona de subducção a sul e a leste, onde uma enorme placa de crosta oceânica se está a enfiar sob o Bangladesh, Myanmar e o nordeste da Índia. Ou pode ter vindo de falhas gigantescas no sopé dos Himalaias a norte, que estão a subir lentamente porque o subcontinente indiano está a colidir lentamente com o resto da Ásia.

Existe a possibilidade de ocorrer outro grande terramoto nesta área? Que riscos para a população?

Steckler conduziu um estudo em 2016 que mostrava que estas zonas estão agora a ganhar tensão, tendo a capacidade de produzirem terramotos comparáveis ao que ocorreu há 2500 anos. O último terramoto desta dimensão ocorreu em 1762, provocando um tsunami mortal que subiu o rio até Dhaka. Pensa-se que outro terá ocorrido por volta de 1140 d.C.

Outro rios no mundo enfrentam o mesmo risco que o Ganges e encontram-se em deltas tectonicamente ativos: rio Amarelo na China; rio Irrawaddy no Myanmar; rios Klamath, San Joaquin e Santa Clara, que correm ao largo da costa ocidental dos EUA; e o Jordão, que atravessa as fronteiras da Síria, Jordânia, Cisjordânia palestiniana e Israel.

Syed Humayun Akhter, vice-reitor da Universidade Aberta do Bangladesh e coautor de ambos os estudos, afirma que “os grandes sismos têm impacto em grandes áreas e podem ter efeitos económicos, sociais e políticos duradouros". De acordo com o estudo de 2016, estima-se que uma recorrência moderna de um terramoto deste tipo poderia afetar 140 milhões de pessoas.


Referências da notícia:

Chamberlain, E.L., Goodbred, S.L., Steckler, M.S. et al. Cascading hazards of a major Bengal basin earthquake and abrupt avulsion of the Ganges River. Nat Commun 15, 4975 (2024).

Steckler, M., Mondal, D., Akhter, S. et al. Locked and loading megathrust linked to active subduction beneath the Indo-Burman Ranges. Nature Geosci 9, 615–618 (2016).