Um micróbio intestinal encontrado nas crianças pode estar na origem do aumento do cancro colorrectal nos jovens
A análise, efetuada em três continentes, detetou mutações associadas a um micróbio intestinal num em cada três pacientes com menos de 39 anos. Saiba mais aqui!

Os sinais de alarme estão a soar cada vez mais alto. Os casos de cancro colorrectal estão a disparar em pessoas com menos de 50 anos, sem causas conhecidas, duplicando em muitos países nas últimas duas décadas.
Pessoas de trinta e poucos anos, sem fatores de risco óbvios ou antecedentes familiares, chegam ao hospital já com metástases letais. Um novo estudo, liderado pelo biólogo computacional Marcos Díaz Gay (Santiago de Compostela), sugere que por detrás desta “epidemia” de cancro colorrectal está uma toxina bacteriana, que provoca mutações cancerígenas no ADN das crianças.
Em 2020 alguns cientistas detetaram uma estirpe da bactéria intestinal Escherichia coli
O biotecnólogo espanhol Cayetano Pleguezuelos e os seus colegas do Instituto Hubrecht, nos Países Baixos, já tinham demonstrado em fevereiro de 2020, que uma estirpe da bactéria intestinal Escherichia coli produz uma molécula tóxica, chamada colibactina, que danifica o ADN das células humanas. Há menos de um ano, um outro estudo detetou uma assinatura mutacional característica desta toxina em 13% dos 2.000 pacientes britânicos testados. Ou seja, quase um em cada oito.

Este novo trabalho abriu os holofotes. Os autores investigaram o ADN de quase mil tumores de doentes de 11 países, analisando as variações geográficas e entre grupos etários. Dois marcadores genéticos atribuídos à ação da toxina bacteriana - denominados ID18 e SBS88 - são três vezes mais comuns em pessoas diagnosticadas antes dos 40 anos do que nas que têm mais de 70.
Díaz Gay, que realizou a investigação na Universidade da Califórnia em San Diego (EUA) e que recentemente se juntou ao Centro Nacional de Investigação do Cancro, em Madrid.
O fenómeno foi observado pela primeira vez nos Estados Unidos em 2009. A incidência do cancro colorrectal estava a diminuir nas pessoas mais velhas, mas aumentava mais de 1,5% por ano nas pessoas com menos de 50 anos.
O número de casos em idades mais jovens tem vindo a aumentar
Uma década mais tarde, um estudo realizado em 20 países europeus concluiu que a incidência tinha aumentado anualmente 8% nos indivíduos na casa dos vinte anos, 5% nos indivíduos na casa dos trinta e 1,6% nos indivíduos na casa dos quarenta, entre 2004 e 2016. E outro trabalho, quase simultâneo, encontrou aumentos de 4% ao ano na Coreia do Sul e na Nova Zelândia.

A toxina das bactérias intestinais está a emergir como uma causa provável do aumento alarmante do cancro colorrectal de início precoce. “Em doentes jovens, até aos 39 anos, vemos este padrão de colibactina num em cada três casos”, diz Díaz Gay.
A análise inclui dados da Argentina, Brasil, Canadá, Colômbia, República Checa, Irão, Japão, Polónia, Rússia, Sérvia e Tailândia. O biólogo computacional observa que em alguns destes países, como os três países sul-americanos, foram detetadas mutações típicas, pouco comuns noutros locais, o que sugere que existem outros fatores ambientais locais, atualmente desconhecidos, que contribuem para o cancro.
As alterações no ADN e outros fatores de risco
A lesão do ADN por toxinas provoca um padrão de mutações muito característico. Graças às técnicas de estudo da evolução dos tumores, os investigadores podem inferir que estas alterações aparecem muito cedo, nos primeiros 10 anos de vida, segundo o biólogo, que menciona o uso de certos antibióticos como uma das hipóteses em cima da mesa.
O estudo com 2.000 pacientes britânicos, publicado em agosto de 2024, concluiu que uma outra assinatura mutacional, denominada SBS93 e possivelmente associada ao tabagismo e ao consumo de álcool, aparece num em cada três casos de cancro colorrectal. Entre os fatores de risco conhecidos contam-se também a comida de plástico, as bebidas açucaradas, a obesidade, a hipertensão arterial, a falta de exercício físico e a deficiência de vitamina D causada por uma dieta desequilibrada ou por não receber luz solar suficiente.
O cancro colorrectal, responsável pela morte de quase um milhão de pessoas por ano, é o segundo cancro que mais mata no mundo, a seguir aos tumores do pulmão, embora a sobrevivência aos cinco anos seja cada vez mais elevada e atinja 90% se for detetado precocemente. Dois dos maiores especialistas mundiais nesta doença, Kimmie Ng e Marios Giannakis, do Dana-Farber Cancer Institute de Boston, nos Estados Unidos, prevêem que, em 2030, será a principal causa de morte por cancro nas pessoas com idades compreendidas entre os 20 e os 50 anos.
O epidemiologista britânico Julian Peto, da London School of Hygiene and Tropical Medicine, é cauteloso. Em declarações ao site especializado Science Media Centre, o investigador adverte que a observação de que as assinaturas de colibactina são mais comuns nos tumores de pacientes mais jovens “não é uma prova conclusiva” de que esta toxina seja uma causa relevante do aumento do cancro colorrectal nas sucessivas gerações nascidas a partir dos anos 1950. Na sua opinião, é necessário analisar primeiro amostras históricas de tumores conservadas nos hospitais para excluir que a colibactina não tenha sido também uma causa importante de cancro em adultos mais jovens há décadas atrás.
Referência da notícia
Marcos Díaz-Gay, Wellington dos Santos, Sarah Moody, et al. Geographic and age variations in mutational processes in colorectal cancer. Nature (2025).