Será possível 'cultivar' água?
A história do declínio versus expansão da humanidade é balizada em função dos usos dados aos recursos naturais, representando estes, um capital, que não é renovável, à mesma velocidade a que é consumido. Saiba mais aqui.
A demanda que acompanha o crescente aumento demográfico, tem potenciado constantes alterações nos usos dos solos, particularmente para utilização agrícola, sendo cada vez mais premente a definição de estratégias que mitiguem a pegada destrutiva que o homem tem infligido ao meio, e por inerência, como aconteceu com muitas civilizações antigas, evitar o seu próprio declínio.
Quando os solos são utilizados de forma incorreta, quando são menosprezadas as suas características físicas, químicas e morfológicas, e factores condicionadores, como relevo, clima, geologia, e coberto vegetal, são exponenciados processos transformadores como a erosão, com ênfase para o transporte de partículas, de nutrientes determinantes para a sua capacidade produtiva, nomeadamente as práticas agrícolas.
O solo é resultado da decomposição de rochas, desgastadas no prolongar do tempo por ação de processos químicos, físicos e biológicos - clima, água, transformação de relevo e seres vivos (plantas e animais) - um processo designado de intemperismo, sob a batuta de uma lenta desagregação de rochas, reproduzindo-se em sedimentos, que se mantêm aglomerados e que compõem os solos. Trata-se de um movimento constante na métrica do tempo, de tal modo fenomenal, que, a criação de solo vivo, solo fértil, com apenas 2,5 cm de espessura, pode demorar entre 500 a 1000 anos a formar-se, muito além do tempo de vida humana.
Assim, como a necessidade aguça o engenho, vão sendo implementados mecanismos que propiciam uma compatibilização do uso do solo com a conservação ambiental, visando conciliar uma produção agrícola, com menor impacte. Falamos do conceito agroflorestal, com o qual ocorre a consociação de culturas agrícolas e de floresta, de modo estruturado e adaptado ao local, potenciando a capacidade regenerativa do solo e mitigando eventuais stresses hídricos.
A agrofloresta, um mecanismo de plantio de água?
Efetivamente, o cultivo num mesmo terreno de duas ou mais espécies vegetais diferentes, mas com características compatíveis, apesar de diferenciados sistemas radiculares ou distintos ciclos vegetativos, promove desenvolvimento de sinergias que aumentam a produtividade do solo, exponenciando de modo eficaz o combate natural de pragas e protegendo a biodiversidade no ecossistema agrícola.
Diante de um premente cenário de adaptação às cíclicas alterações climáticas, o auspicioso termo de agricultura sintrópica demonstra, cada vez mais ser um eficaz mecanismo, com determinante importância no equilíbrio entre o Homem e o Meio.
Trata-se de um conjunto de técnicas de plantio, altamente viáveis sob o ponto de vista ambiental, social e económico, uma vez que a plantação é feita de forma sincronizada, com espécies agrícolas, hortícolas e frutíferas, e espécies florestais, sendo utilizadas espécies com diferentes ciclos de vida (curto, médio e longo), e que ocupam diferentes estratos, do rasteiro, passando pelo médio até ao mais alto, um sistema que permite optimizar, quer o aproveitamento da luz do sol, quer dos recursos hídricos, garantindo plantações agrícolas com maiores rentabilidade e capacidade produtiva.
Em que consiste a agricultura sintrópica?
Trata-se de um sistema agrícola assente em 8 princípios, que prima pela adoção de medidas que possibilitam desde a maximização da fotossíntese ao respeito pela sucessão natural e estratificação de cada espécie, à capinação selectiva, podas e sincronização dos plantios, à eficiente geração de biomassa. Em suma, aplica o respeito pela ecofisiologia das plantas, pela sua adaptação às condições ambientais.
Assim, a implementação de um sistema estratificado, em que floresta mistura-se com agricultura, permite proteger o solo por ação da sombra das árvores maiores, bem como promove uma maior absorção de água da atmosfera, e, simultaneamente, possibilita o crescimento das diversas espécies e a natural regeneração dos solos, que se tornam mais húmidos, e por isso reduzem a necessidade de rega. Uma estratégia com elevado potencial de sucesso, considerando, à escala planetária, a crescente escassez, quer de água potável, quer de solos férteis.