A seiva que brota do interior do planeta azul e o hidrotermalismo
Vasto, escuro e remoto, o oceano profundo guarda riquezas naturais, alberga incríveis comunidades biotas e alavanca a vida no planeta azul. Constitui uma unidade biológica de relevante importância para os ciclos biogeoquímicos do planeta. Contamos-lhe mais aqui!
A Terra contém cerca de 1.368 biliões de km3 de água salgada, 71% da área do planeta, uma imensidão onde nas vastas profundezas, a mais de 200 m, a luz escasseia, e a vida assume contornos peculiares. Comummente, afirma-se que o Homem conhece melhor a superfície lunar do que o fundo do mar, uma asserção fundamentada no facto de que, para imergir a uns singelos 40 m é elementar a ajuda de um escafandro, sendo impossível atingir 100 m sem cápsula submarina!
Um mundo onde habitam milhões de espécies animais e vegetais, um incalculável número de espécies ainda desconhecidas, e infindável quantificação de microrganismos que em algumas zonas representam mais de 90% da biomassa dos sedimentos. No maior ecossistema do planeta, no fim da plataforma continental, reina um assombroso mundo escuro, sem luz solar (só penetra até 200 m), sem realização da fotossíntese, começa o chamado domínio bêntico, onde a produção primária é praticamente inexistente.
Refira-se que, à superfície, na esfera emersa, a pressão aumenta 1 atm (1atm = 1kg/cm²) a cada 10 m de altitude, já no ambiente profundo, a pressão varia de 100 a 600 atm. Porém, existe toda uma microvida, resistente à forte compressão oceânica, pois, à medida que a pressão aumenta, a temperatura diminui, aumentando a solubilidade do carbonato de cálcio, o que fragiliza os organismos, obrigando-os a uma imprescindível adaptação.
Aqui impera uma circulação de massas de água, que impulsiona uma constante renovação marítima, a nível global. Um contínuo fluxo que “inicia” percurso nas latitudes elevadas, próximo dos pólos, onde ocorre o arrefecimento das águas à superfície, que, ao se tornarem mais densas, afundam e entram num circuito que flui através das bacias oceânicas, possibilitando o equilíbrio térmico do planeta, afetando ainda o enriquecimento mineral, imprescindível para a produção alimentar marinha.
Não obstante a produção primária que alicerça a vida oceânica acontecer nos primeiros 100 m da coluna de água, a matéria orgânica migra para maiores profundidades ao ser processada por microrganismos e comunidades pelágicas (bacteri-, fito-, holo- e zooplâncton) habitantes das profundezas, assegurando a dinâmica de um ecossistema particularmente essencial à vida.
Refira-se que a extensa camada oceânica liberta cerca de 70% do O₂ no planeta, este produzido pelo fitoplanctôn durante o processo fotossintético, assegurando um importante equilíbrio ecológico. Um assombroso mundo onde, nas zonas mais profundas clivam temperaturas desde valores negativos, pela carência de energia solar, a tórridos níveis térmicos, nas imediações de fontes hidrotermais.
O hidrotermalismo como fonte de vida
Análogas aos emersos géiseres, as fontes hidrotermais personificam úlceras localizadas entre 400 a 6000 m de profundidade, por onde ascende o magma a uns ardentes 1200 ⁰C, que, em contacto com as águas frias das profundezas oceânicas, consolida formando uma jovem crusta. Nestas regiões, a água é aquecida a temperaturas que podem atingir os 450 ⁰C, água anóxia, sem O₂, mas que, efeito de movimentos convectivos, na sua ascensão, transporta gases como CO₂, H, CH₄, e minerais como Fe, Cu, Zn, Hg.
Porém, ao emergir, à medida que se mixeniza com águas mais frias, ricas em O₂, vários minerais vão sendo precipitados para as profundezas, formando as características chaminés que estruturam as nascentes hidrotermais. Destas, a uns 350 ⁰C, jorram nutritivos fluidos, com os quais microrganismos quimiossintéticos produzem matéria orgânica, fundeando bizarros oásis de vida em seu redor.
Duma panóplia de domínios, o ferro (Fe) que viaja pelas plumas hidrotermais tem a preponderante missão de limitar o crescimento exponencial do plâncton, evitando desastres ecológicos como as marés vermelhas. Já as incríveis formas de vida que pululam em torno das fontes hidrotermais, desempenham a determinante missão de regular o efeito estufa, pois, estes seres consomem 90% do metano (CH₄) libertado nas fontes, um gás 25 vezes mais nocivo para o equilíbrio climático, do que o dióxido de carbono (CO₂).
Um mundo alienígena no planeta Terra, esta a caracterização do incrível ecossistema que prospera na espécie de sopa quimicamente tóxica gerada pelas fontes hidrotermais. Estas, peculiares estruturas geológicas formadas nas dorsais que sinuosamente se estendem no fundo oceânico.
Batalhões de bactérias e arqueobactérias termófilas e hipertermófilas, alimentam-se dos minerais que borbulhantemente emergem destas fissuras do planeta, servindo de alimento a vermes, e a toda uma resiliente cadeia trófica adaptada à sobrevivência num local improvável.
Foram já identificadas aproximadamente 700 espécies endógenas deste ambiente, seres que não dependem da luz do sol para viver, como o bizarro verme tubular, que mesmo sem boca, pode atingir 2m de comprimento, alimentando-se com a ajuda das bactérias que vivem no seu interior.
As fontes hidrotermais influenciam a temperatura e os padrões de circulação oceânica. Somente 10% do oceano se encontra mapeado, sendo conhecidas apenas 400 das cerca de 1300 fontes hidrotermais supostamente existentes. O mar profundo, apesar de hostil, distante e de difícil acesso, comporta uma dinâmica que influi a química e a biologia que alavancam a génese e o desenvolvimento da vida no planeta, representando de facto, sublime elementaridade.