Seca extrema influenciou onda de calor sentida em abril do ano passado no Mediterrâneo Ocidental

Estudo publicado na revista Nature mostra como o extenso período de seca vivido no Mediterrâneo Ocidental influenciou as anormais temperaturas extremas sentidas em abril do ano passado. Veja aqui os pormenores!

seca
O ano de 2023 foi particularmente seco em toda o Mediterrâneo Ocidental, em especial no sul da Península Ibérica e no norte de África.

No final de abril de 2023, a região do Mediterrâneo Ocidental foi atingida por uma extraordinária onda de calor. Em Portugal e Espanha continental as temperaturas atingiram os 36,9 °C (Mora) e os 38,8 °C (Córdova), respetivamente, batendo os recordes históricos do mês de abril.

Extremos semelhantes também se deram em Marrocos e na Argélia, onde as temperaturas ultrapassaram os 40 °C em vários locais. Em Marrocos, vários recordes locais foram quebrados um pouco por todo o país e as temperaturas ultrapassaram mesmo os 41 °C em cidades como Sidi-Slimane, Marraquexe e Taroudant. Na Argélia, as temperaturas também foram além dos 40°C, pelo menos, nas cidades de Maghnia, Mascara e Ghriss.

Este evento, caracterizado por um sistema de altas pressões ou crista subtropical, que coincidiu com uma seca plurianual predominante e severa, deu origem a anomalias térmicas, em muitos locais, superiores a dois dígitos.

Para que se tenha memória e dimensão da seca, em abril de 2023, os reservatórios espanhóis estavam 50% abaixo da média e o armazenamento das barragens em Marrocos estava em 33%. Todo este desolador cenário se repercutiu em severos impactos no setor agrícola, o que obrigou os Estados a atribuir apoios a quem destas atividades depende.

Ora, um recente estudo publicado na revista Nature, vem esclarecer que estas condições antecedentes de seca severa atuaram como amplificadores e catalisadores para os registos destas temperaturas, através da redução da evaporação, em favor do fluxo de calor sensível à superfície.

A influência das secas na escalada de ondas de calor já havia sido testemunhada nos verões europeus de 2003, 2018 e 2019 e no verão russo de 2010.

Mas há diferenças a assinalar. Por norma, as ondas de calor nas regiões mediterrânicas são desencadeadas pela advecção de calor proveniente de regiões áridas. Assim, para que a relação seca-temperaturas extremas seja uma evidência, é necessário que a humidade do solo durante as secas seja altamente anómala em comparação com a expectativa climatológica. Disso mesmo deram conta os investigadores.

Seria então necessário investigar as interações terra-atmosfera que caracterizaram o evento de abril de 2023 e quantificar o papel da seca simultânea do solo nas temperaturas extremas que foram registadas em toda a região do Mediterrâneo Ocidental.

onda de calor
Portugal e Espanha foram severamente afetados por uma onda de calor sem precedentes em plena primavera.

Os autores concluíram, através da análise de um conjunto de indicadores, que a seca presente nesta região foi a pior desde 1960. Ainda assim, consideram que o que que mais denota a excecionalidade do evento é a ocorrência desta configuração atmosférica num contexto de seca extrema.

A equipa de investigação percebeu que durante o pico do evento, as anomalias de temperatura foram fortemente afetadas pelo fluxo de calor sensível à superfície superior ao normal, causado pela aridez do solo e por um excesso de radiação incidente na superfície.

Fica então claro que os défices de humidade do solo promovem maior aquecimento. As áreas onde foram registadas as maiores temperaturas coincidem com as áreas de menor humidade do solo. Os resultados mostram que o evento foi 4,53 vezes mais provável devido ao contexto de seca anterior.

As anomalias de humidade do solo no verão podem desempenhar um papel importante na intensidade de ondas de calor em latitudes mais elevadas, mas em regiões mais secas como o sul de Espanha, o espaço para a aridez do solo induzir anomalias de temperatura é limitado, uma vez que os solos secos são a norma durante o verão.

Ainda assim, os resultados mostram que na primavera, quando o teor de humidade do solo é mais variável, as ondas de calor podem de facto ser significativamente potenciadas por condições de seca anteriores.

Um trabalho de adaptação e mitigação

As projeções climáticas indicam um agravamento significativo das condições de seca e aridez no sul da Península Ibérica, pelo que se prevê um agravamento de eventos secos e quentes, levando a consequências alarmantes, como o aumento do risco de incêndio na região.

Esta área é, portanto, um ponto crítico no contexto das alterações climáticas, um hotspot climático, onde é necessária mais investigação sobre mecanismos de amplificação de ondas de calor para orientar os decisores na implementação de medidas de mitigação e adaptação através, por exemplo, da gestão integrada do uso dos solos.

Referência da notícia:
Christidis, N., Mitchell, D. & Stott, P.A. Rapidly increasing likelihood of exceeding 50 °C in parts of the Mediterranean and the Middle East due to human influence. npj Clim Atmos Sci 6, 45 (2023).