Saquetas de chá ajudam os investigadores de Aveiro a estudar aquecimento global nas zonas húmidas

Chá verde e de rooibos medem o armazenamento de carbono dos ecossistemas marinhos e aquáticos. O método está também a ser usado em quase 30 países no âmbito de programa internacional de colaboração científica.

Ria de Aveiro
A subida da temperatura acelerou a decomposição da vegetação na ria de Aveiro, ameaçando a sua função de regular o clima. Foto: Joaomartinho63, CC BY-SA 4.0 / Wikimédia

Uma equipa de investigadores do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar (CESAM), da Universidade de Aveiro, utilizou saquetas de chá para avaliar os impactos climáticos em diferentes ecossistemas de zonas húmidas. A operação envolveu uma série de trabalhos de campo em locais tão distintos como sapais costeiros, habitats de água doce, pradarias marinhas e zonas alagadas da ria de Aveiro.

Os pacotinhos de chá verde e de rooibos ajudaram os cientistas a avaliar os efeitos do aquecimento global nestas áreas consideradas vitais para a resiliência climática.

É importante salientar, desde logo, que as zonas húmidas, como sapais e sistemas de água doce, além de disponibilizarem água potável e alimento para os humanos, sustentam a biodiversidade, previnem as cheias e armazenam dióxido de carbono.

O estudo conduzido pelos investigadores Daniel Jerónimo, Ana Sousa e Ana Lillebo demonstrou que o aumento da temperatura está a acelerar a decomposição da vegetação nestes ecossistemas, ameaçando a capacidade de armazenar carbono e comprometendo a sua função de regular o clima.

Saquetas de chá infografia
As saquetas de chá revelaram-se instrumentos de medição fiáveis para os investigadores. Infografia feita com canva.com

Os resultados obtidos sugerem que o aumento das temperaturas está a precipitar a deterioração da matéria orgânica mais resistente, conhecida como recalcitrante. O fenómeno pode, por isso, comprometer o papel destes ecossistemas como sumidouros naturais de carbono, fundamentais para mitigar as alterações climáticas.

Quase 20 mil saquinhos de chá usados em 28 países

A investigação do CESAM está inserida num âmbito muito mais alargado do que as zonas húmidas da região de Aveiro. O projeto resulta de uma cooperação científica internacional, envolvendo cerca de 100 investigadores de 28 países que analisaram 180 locais com ecossistemas distintos como pântanos, manguezais ou pradarias de ervas marinhas.

O programa, denominado TeaComposition H2O, implicou, no total, o uso de 19 mil saquetas de chá, que se revelaram essenciais para a análise dos solos. Os resultados obtidos em vários pontos do planeta apontam também para as mesmas conclusões retiradas pelos investigadores em Portugal.

Com base nas projeções, prevê-se que as taxas de decomposição da matéria orgânica aumentem cerca de 3% até 2050. À primeira vista, a subida não parece ser significativa. Os investigadores advertem, porém, que as implicações para o equilíbrio climático das zonas húmidas podem vir a ser imprevisíveis.

O estudo destaca, por isso, a urgência de proteger estes ecossistemas. A abordagem colaborativa e internacional teve, aliás, como principal intuito compreender como os fatores locais e globais influenciam a capacidade destas zonas de capturar e armazenar carbono. Os microclimas estudados incluíram pradarias marinhas, florestas de manguezais, pântanos de marés, entre outros.

Pântano
Os sapais de maré, geralmente localizados nas margens dos estuários, além de armazenar carbono, são um habitat para inúmeras espécies de aves. Foto Deanthebean/Pixabay

As saquetas de chá ajudaram a avaliar os impactos de uma forma acessível e replicável. A iniciativa, coordenada a nível global pela Deakin University, na Austrália, utilizou os saquinhos de chá para recolher informação sobre os fatores ambientais, químicos e biológicos que interferem na rotatividade do carbono capturado pela matéria orgânica.

O chá, afinal, também é útil para o planeta

O método, de acordo com os especialistas, além de apresentar baixos custos financeiros, proporciona uma variedade de cenários de degradação do carbono ao longo do tempo.

Os saquinhos de chá, comercialmente disponíveis, revelaram-se como autênticas ferramentas de medição dos solos para os cientistas que estiveram no terreno.

Foram suficientemente fortes para resistir às influências ambientais, como a temperatura e o teor de humidade dos ecossistemas marinhos e aquáticos. Por outro lado, mostraram-se também sensíveis para fornecer dados detalhados e precisos sobre a decomposição e preservação do carbono.

Para poder implementar o método a uma escala global, os investigadores australianos desenvolveram uma métrica com base num Índice de Saquetas de Chá, que asseguram ser plenamente fiável e fácil de implementar tanto por cientistas como por pessoal não especializado.

Tartaruga marinha
As pradarias marinhas armazenam grandes quantidades de carbono durante longos períodos, mas também são importantes para filtrar os poluentes e tornar a pesca sustentável. Foto: Mollyroselee/ Pixabay

O procedimento, aliás, não podia ser mais simples. Basta enterrar a saqueta no solo e assinalar o local com uma bandeirola. O passo seguinte é esperar entre três e 36 meses para desenterrá-las, transportá-las até ao laboratório e interpretar os resultados. Quem diria que ler o destino nas folhas de chá tem, afinal, algum fundamento científico?

Referência do artigo

Carneiro, L.S., Adame, M-F., Sousa, A.I., et al. Climate Effects on Belowground Tea Litter Decomposition Depend on Ecosystem and Organic Matter Types in Global Wetlands. ACS Publications (2024)