São vermes e cuidam do mar: conheça as criaturas das águas costeiras que portugueses e espanhóis descobriram

Cinco novas espécies de planárias marinhas foram identificadas no Sul e Oeste da Península Ibérica. Duas delas vivem na costa portuguesa. Podem ser minúsculas, mas são essenciais para o equilíbrio das águas do litoral.

Farol de Cascais
As planárias marinhas recém-descobertas foram localizadas na costa de Cascais. Foto: Tania Dimas/Pixabay

Há uma imensidão de organismos a zelar pelo mar e pelas zonas costeiras: peixes, aves, algas, bivalves, corais, mamíferos entre inúmeras outras espécies. Os seus serviços ecossistémicos são largamente reconhecidos. Mas há também outros seres que, embora minúsculos, fazem tanto ou mais que as restantes criaturas. Já ouviram falar de planárias marinhas? Entre os biólogos, elas começam agora a ser mais bem conhecidas.

Mas todos nós deveríamos também dar mais importância ao seu trabalho. Não é por serem vermes que são menos do que os outros. A função que desempenham é valiosa para o equilíbrio dos ecossistemas costeiros. Mas já lá vamos. Primeiro, as boas notícias. Cientistas portugueses e espanhóis descobriram cinco novas espécies de planárias marinhas na Península Ibérica.

Dois dos microrganismos recém-descobertos vivem em Portugal: um foi encontrado na costa de Cascais e outro na Área Marinha Protegida das Avencas.

Ambos receberam nomes científicos alusivos ao município e país de onde são originários: Plehnia cascaiensis e Izmira lusitanica. Não significa isto que estes dois tipos de vermes sejam exclusivos da costa portuguesa. Por enquanto, não foram ainda identificados em mais nenhum lugar. Mas nunca se sabe o que as marés podem trazer no futuro.

praia e montanhas
Por serem muito sensíveis às alterações do ambiente, as planárias marinhas são bons indicadores da qualidade da água das zonas costeiras. Foto: Pixabay

O estudo foi conduzido por cientistas da Universidade de Cádis, em Espanha, em parceria com uma equipa da Universidade Lusófona, em Portugal. Três espécies foram descobertas nos mares espanhóis e duas localizadas na costa portuguesa. Todas elas estão minuciosamente descritas no artigo recentemente publicado na revista Zoosystematics and Evolution.

A biodiversidade entre o Atlântico e o Mediterrânico

As características únicas que cada uma apresenta levaram os cientistas a concluir que são espécies pertencentes ao filo Platyhelminthes, mas distintas de todas as outras já documentadas. A Izmira lusitanica, em particular, destaca-se ainda por ser “o primeiro registo do género Izmira fora do Mediterrâneo”, refere o artigo científico.

O número total de espécies de invertebrados marinhos na Península Ibérica é ainda desconhecido. O que se suspeita, no entanto, é que há muito ainda para investigar. Devido à convergência das massas de águas do Atlântico e do Mediterrânico, a região é considerada de elevado interesse para a biodiversidade marinha. Os fatores ambientais favorecem tanto a migração de espécies não nativas como ao desenvolvimento de espécies endémicas.

Vermes com funções valiosas para o equilíbrio costeiro

Mas, afinal, o que são planárias marinhas? Já deu para perceber que são minúsculas, praticamente impercetíveis à vista desarmada. Ampliadas nas lentes microscópicas, elas revelam um corpo achatado, podendo medir entre um e cinco centímetros e apenas um milímetro de espessura. O seu tamanho, porém, não faz jus à dimensão dos serviços que prestam ao equilíbrio dos ecossistemas costeiros.

águas-vivas
As planárias marinhas são predadoras de invertebrados, controlando a sua proliferação. Foto: Martina Janochová/Pixabay

Desde logo são predadoras de invertebrados, controlando a sua proliferação. Mas também fazem uma reciclagem permanente de nutrientes nas zonas do litoral. As planárias marinhas alimentam-se da matéria orgânica em decomposição, convertendo esses resíduos em nutrientes e transformando-os em suculentas refeições para outros seres marinhos.

Estes vermes, eles próprios, são ainda um petisco muito apreciado pelos peixes e outros animais marinhos, contribuindo, por isso, para assegurar o bom funcionamento da cadeia alimentar.

Além destas virtudes, as planárias têm mais um truque na manga. São muito sensíveis às alterações do ambiente, em especial, às variações nos níveis de poluentes e toxinas presentes na água. Podem, portanto, serem usadas como bioindicadores de qualidade ambiental em monitorizações feitas nas zonas litorais.

As planárias marinhas não gostam muito de exposição solar, escondendo-se com frequência por debaixo das pedras. Dependendo da espécie, podem ser translúcidas ou apresentarem cores vibrantes.

Sendo hermafroditas - possuem órgãos sexuais masculinos e femininos –, são capazes de se reproduzirem por via sexual, mas também através da fragmentação. Significa isto que, ao se dividirem, dão origem a um novo organismo.

A sua capacidade de regeneração é também outra maravilha da natureza, podendo reconstituir partes do seu corpo de cada vez que são divididas.

lentes microscópicas
Ampliadas nas lentes microscópicas, estes organismos podem revelar corpos translúcidos ou cores vibrantes. Foto: Konstantin Kolosov/Pixabay

Uma boa parte dos seus mistérios só agora tem vindo a ser desvendada. O estudo das planárias marinhas é ainda uma área pouco explorada tanto em Portugal como à escala mundial.

Mas a ambição dos investigadores portugueses e espanhóis é prosseguir a investigação para identificar mais espécies e entender com maior profundidade o seu impacto na preservação da costa da Península Ibérica.

Referência do artigo

Perez-Garcia, P., Gouveia, F., Calado, G., et al. Acotylea (Platyhelminthes, Polycladida) from the southern and western Iberian Peninsula, with the description of five new species. Zoosystematics and Evolution (2024).