Sabia que os cavaleiros medievais tinham medo de caracóis? Descubra aqui porquê
Com machados, lanças, arcos e espadas, os cavaleiros europeus lutaram contra os temíveis caracóis medievais. Mas o que é que estes moluscos terrestres representam realmente? Saiba aqui!
Desde o final do século XIII até ao século XV, imagens de cavaleiros a combater caracóis surgem em todo o tipo de locais improváveis do mundo literário medieval e revelam uma visão fascinante do que os medievais pensavam sobre o mundo que os rodeava.
Para enfrentar um inimigo tão formidável, os cavaleiros tiveram de se armar até aos ossos com armaduras pesadas e com as suas espadas mais mortíferas. Enormes, viscosos e ferozes: é assim que os caracóis são retratados nos manuscritos do século XIV. Estes moluscos terrestres eram um dos piores receios dos guerreiros europeus. Ainda hoje se discute muito o porquê e o que representam realmente.
Raiva contra os caracóis medievais
Madeleine S. Killacky, medievalista da Universidade de Bangor, no País de Gales, afirmou que as imagens de caracóis a aterrorizar os cavaleiros medievais “começaram a aparecer em manuscritos do norte de França (...) no final do século XIII (cerca de 1290)”.
Pouco depois, acrescenta, começaram também a ser retratados em documentos britânicos e flamengos. Neles, os guerreiros revestidos de metal empunhavam machados, lanças, espadas e flechas, para combater o poder dos seus temíveis adversários viscosos.
Estas imagens eram recorrentes na literatura medieval em França, documenta a historiadora Lilian M. C. Randall. Esta afirma que há mesmo um registo de um cavaleiro feminino sobrevivente a lutar contra um caracol.
Apesar de existirem algumas teorias sobre a razão pela qual os melhores lutadores combatiam estes moluscos terrestres, admite, o “significado e a origem destas representações ainda não foram totalmente elucidados”.
Há mais um elemento que se junta a este mistério medieval: “Curiosamente”, explica Killacky, “na maioria dos casos, estes rabiscos de caracóis parecem não estar relacionados com as ilustrações adjacentes das passagens textuais”. Uma explicação que se solidificou nos estudos contemporâneos relaciona-se com as 'drôleries' francesas, típicas dos manuscritos do século XIV. Drôle' traduz-se por divertido. No caso da arte medieval, referia-se aos “pequenos desenhos engraçados” com que os escribas decoravam os seus textos.
Muitos deles representavam criaturas híbridas, como bobos da corte com patas de cavalo, ou cenas de caça em que os papéis se invertiam: lebres perseguiam cães de caça, por exemplo.
Neste género de “caricaturas”, era natural que um valente cavaleiro lutasse contra um caracol. No entanto, diz Randall, “os motivos mudam de país para país”. Mas porque é que estas batalhas eram encenadas? E, mais concretamente, quem são realmente estes caracóis medievais?
Porque é que os cavaleiros medievais queriam destruir os caracóis?
Uma das interpretações mais aceites hoje em dia é a de que estas figuras representam a cobardia de alguns guerreiros que vão para a batalha. Tanto mais que, na altura, havia uma adivinha famosa em que os caracóis medievais eram “as criaturas mais fortes do mundo”, explica Randall, “que tinham de ser destruídas”.
Outra teoria está relacionada com a ressurreição: o caracol desaparece na sua concha/casa e “renasce” para continuar a sua vida. Mas o que é que isto tem a ver com um cavaleiro armado até aos dentes? E porque é que ele teria de lutar contra um molusco que passa? Apesar de estas figuras terem sido tão famosas durante vários séculos, não há hoje qualquer registo do que significam, nem do que estão a fazer ali.
Será que somos vítimas da "drôlerie" francesa medieval? Na ausência de uma resposta concreta, resta-nos aceitar a piada e juntarmo-nos ao riso de um cavaleiro medieval assustado por um pequeno caracol.
Referência da notícia:
Why medieval manuscripts are full of doodles of snail fights. The Conversation (2023).