Quase 25% da paisagem europeia tem potencial para ser recuperada, defendem investigadores portugueses

As terras agrícolas do velho continente poderiam encontrar uma nova vida através da renaturalização, um movimento que pretende devolver as características naturais a estes espaços, antes da intervenção do Homem.

recuperação
Estudo revela que um quarto do território do velho continente é passível de ser renaturalizado.

Um quarto do território europeu, cerca de 117 milhões de hectares, está em condições de poder ver devolvidos os seus traços mais naturais, segundo um recente estudo publicado na Current Biology da Cell Express, cujo os autores são portugueses.

A renaturalização e a reintrodução de vida selvagem destacam-se como abordagens promissoras, uma vez que proporcionam uma utilização alternativa ao abandono de terras por toda a Europa, procuram resgatar a perda de biodiversidade ao restaurar interações tróficas e promover ecossistemas autorregulados.

Em muitos países, a luta principal é evitar a destruição adicional de ecossistemas naturais. No velho continente, o objetivo está em identificar oportunidades de áreas a renaturalizar. O momento é particularmente propício para a restauração de áreas de conservação da biodiversidade, devido à diminuição da área de terras agrícolas.

Existem já várias iniciativas em diversos países europeus em curso que envolvem a aquisição e/ou gestão de terras. Porém, na ausência de critérios claros para identificar e priorizar áreas de reintrodução à vida selvagem, existe o risco de que os recursos limitados disponíveis para conservação sejam mal alocados.

Desta feita, a equipa de investigadores portugueses, onde se inclui o biogeógrafo português Miguel Bastos Araújo, estabeleceu alguns critérios para determinar quais as áreas com potencial de renaturalização, identificando grandes extensões de terra com perturbações humanas mínimas e a presença de espécies-chave de mamíferos.

A equipa chegou à conclusão que cerca de 25% da Europa apresenta condições favoráveis à renaturalização e que 70% destes se encontra em regiões onde as condições atmosféricas são mais frias, particularmente na Escandinávia, Escócia, estados bálticos e várias terras altas da Península Ibérica.

"Há muitas áreas na Europa que têm uma pegada humana baixa o suficiente, bem como a presença de espécies animais importantes, para potencialmente serem reintroduzidas na natureza. Também destacamos a necessidade de estratégias diferentes dependendo das condições de cada região."

Miguel Bastos Araújo, autor do estudo e investigador do Museu Nacional de Ciências Naturais, do CSIC, Espanha, e da Universidade de Évora, Portugal.

Os investigadores conseguiram identificar dois tipos de áreas: áreas de reintrodução ativa e áreas de reintrodução passiva. A reintrodução ativa envolve a reintrodução de espécies nativas ausentes de herbívoros e carnívoros, essenciais para a regeneração de interações tróficas.

Já a reintrodução passiva concentra-se em intervenções de gestão que promovam a dinâmica natural, incluindo a recolonização de grandes carnívoros e herbívoros desaparecidos. O objetivo passa por ver retornar os animais gradualmente para áreas abandonadas, por conta própria.

Ambas as estratégias visam criar uma paisagem biodiversa e autossustentável, permitindo a autoregulação dos ecossistemas.

reintrodução de espécies
A reintrodução de espécies nativas ausentes é uma das abordagens possíveis.

Metas de conservação a atingir

Alguns países, como o Reino Unido, França, Espanha e as nações escandinavas, estão posicionados para atingir as suas metas de conservação se adotarem as zonas e estratégias de renaturalização sugeridas pelo estudo.

No entanto, uma vez que a Europa é densamente povoada, outros países seriam incapazes de atingir as suas metas de conservação se confiassem somente nas recomendações do estudo, destacando a necessidade de abordagens alternativas de conservação. Esses países incluem Irlanda, Itália, Bélgica, Países Baixos (Holanda) e Dinamarca.

"Estratégias de conservação que envolvam a restauração ecológica de áreas densamente povoadas podem ajudar alguns países a atingir metas de conservação. Os países podem recuperar terras para transformá-las em áreas de conservação ou estabelecer redes de pequenos habitats protegidos. Paisagens tradicionais multiuso, como os parques de carvalhos na Península Ibérica e vários sistemas agrícolas e florestais extensivos pela Europa, também podem ajudar se forem geridas de forma sustentável".

Miguel Bastos Araújo

À medida que governos e organizações continuam a investir na conservação de terras, os investigadores esperam que as suas descobertas e a estrutura desenhada ajudem nesses esforços de adquirir ou gerir áreas com o maior potencial para uma reintrodução bem sucedida na vida selvagem.

No entanto, apesar das perspetivas, os investigadores alertam que o tempo é essencial. Para Miguel Bastos Araújo esta é uma luta contra o tempo, uma que as áreas que parecem mais promissoras para a reintrodução da vida selvagem hoje podem não ser as mesmas em 50 anos devido aos impactos das alterações climáticas, considera o investigador.

Referência da notícia:

Araújo, M., Alagador, D. (2024) Expanding European protected areas through rewilding. Current Biology.