Por que estão os investigadores fascinados com o peixe-zebra? Esta criatura minúscula é uma grande aliada da ciência

A biomédica tem evoluído rapidamente e muitos dos avanços são graças a um peixinho do Himalaia, usado como modelo em testes de fármacos, pesquisas genéticas, investigações em neurociências e até em missões espaciais.

Peixe-zebra
O peixe-zebra, depois do ratinho, é o organismo modelo de laboratório mais utilizado na União Europeia. Foto: Wanlop/Adobe Stock

Há muitos peixes nos oceanos e nos rios, mas uma espécie tropical de água doce, em particular, atrai há várias décadas a atenção dos investigadores. O peixe-zebra, com apenas dois-três centímetros de comprimento, está entre os maiores protagonistas da investigação científica. Já foi utilizado em pesquisas genéticas, estudos sobre a biologia do desenvolvimento, testes de medicamentos, investigações em neurociência e até em missões espaciais.

O seu uso como modelo de laboratório começou na década de 1970 quando George Streisinger, biólogo molecular da Universidade de Oregon desenvolveu os primeiros clones de vertebrados. Desde então, o peixe-zebra tem sido amplamente dissecado por investigadores de diferentes partes do mundo, tendo inclusive um banco de dados online próprio, nos EUA, para investigadores americanos, e um Centro Europeu de Recursos de Peixe-zebra, na Alemanha, para cientistas da União Europeia.

O seu genoma, sequenciado em 2013, é largamente estudado por apresentar muitos genes com funções semelhantes ao da espécie humana.

Os cientistas já conseguiram observar, por exemplo, que a mutação dos seus genes se assemelha muito aos dos pacientes oncológicos, servindo, por isso, para testar novos fármacos que poderão ajudar a tratar as doenças cancerígenas.

O modelo ideal para testes em laboratório

A espécie tem muitas vantagens que o tornam no candidato perfeito para pesquisas científicas. Reproduz-se rapidamente e em grande número. Desenvolve-se também num curto espaço de tempo e é um recurso mais barato do que os ratinhos de laboratório. Além disso, quando muito jovens, são transparentes, permitindo analisar a sua estrutura interna. As larvas do peixe-zebra, desenvolvendo-se fora da mãe, dão também aos investigadores uma oportunidade única para estudar o seu desenvolvimento embrionário.

George Streisinger
George Streisinger foi o primeiro a clonar um peixe-zebra no seu laboratório e é considerado o pioneiro da investigação sobre esta espécie. Foto: Universidade de Oregon

Estamos diante de uma espécie que até já viajou ao espaço, com a tripulação chinesa da missão Shenzhou-18, em abril de 2024. O peixe-zebra fez parte de um projeto da Academia Chinesa de Ciências para estudar o impacto da microgravidade no crescimento, desenvolvimento e comportamento dos vertebrados, ajudando a combater a perda óssea dos astronautas no espaço.

As espantosas descobertas da Fundação Champalimaud

Há muita investigação a decorrer graças a este peixinho originário do sudeste do Himalaia. A Fundação Champalimaud, em Lisboa, está, aliás, entre os centros de investigação que tem liderado os mais avançados estudos com esta espécie, principalmente no campo da neurociência.

Os investigadores têm investido muito do seu tempo a estudar os processos cerebrais desta espécie. Sendo as larvas do peixe-zebra transparentes, o cérebro pode ser observado ao microscópio de uma forma que seria impensável noutros vertebrados.

Com um cérebro muito mais pequeno do que o humano, o peixe-zebra oferece aos cientistas uma visão global e completa sem métodos invasivos, permitindo ver o que está a acontecer em cada neurónio.

Através desta abordagem, os cientistas já conseguiram traçar o mapa da atividade neuronal do peixe-zebra, esperando vir a entender como funcionam os mecanismos neuronais dos humanos.

Radiografia do peixe-zebra
Desde genes até estruturas cerebrais, há imensas características que os peixes-zebras têm em comum com os humanos. Imagem: Instituto de Biociência Molecular, Universidade de Queensland, Austrália

O cérebro desta espécie está organizado de forma muito semelhante ao nosso. Apresentando muitas das mesmas estruturas, tem a grande vantagem de ser mais pequeno e simples. O estudo do peixe-zebra é por isso uma rara oportunidade de ver ao vivo e a cores onde estão as células que determinam determinadas características, como a posição dos olhos ou os movimentos que geram. Ao possibilitarem o estudo em múltiplas áreas cerebrais, os peixes-zebras abriram novas perspetivas para as neurociências.

A investigação sobre estes minúsculos peixes está a ajudar a compreender a complexa interação entre experiência, ambiente e comportamento individual, podendo oferecer pistas sobre o nosso próprio comportamento. Analisando os circuitos neuronais, os investigadores já conseguiram descobrir fenómenos surpreendentes que explicam as razões pelas quais um peixe escolhe um caminho em detrimento de outro, ou se comporta de forma diferente do cardume.

áreas de investigação com o peixe zebra
O peixe-zebra, durante a fase juvenil, é transparente, facilitando o estudo sobre os seus processos fisiológicos internos. Foto: inubi/Adobe Stock

Num estudo publicado recentemente na PNAS, os investigadores da Fundação Champalimaud, em parceria com Instituto do Cérebro de Paris, conseguiram identificar padrões comportamentais na base tanto de reações rápidas como de estratégias de longo prazo adotadas pela espécie. O estudo permitiu demonstrar como os estímulos sensoriais, as experiências anteriores e as características individuais moldam as escolhas de navegação dos peixes.

Caçadores versus exploradores

O comportamento dos peixes-zebra opera em diferentes dimensões do tempo, cada uma com o seu próprio padrão. Na escala temporal mais longa, a sua conduta é condicionada pela frequência com que muda de direção, enquanto as preferências para mudar a velocidade emergem de escalas temporais mais rápidas.

Através de experiências simuladas em computador, foi possível descobrir que estas tendências comportamentais são bastante úteis no desempenho de tarefas essenciais para a sua sobrevivência. Alguns peixes, por exemplo, são mais hábeis a perseguir e capturar presas, enquanto outros se destacam na exploração de novos territórios.

Aquário com peixe-zebra
Durante décadas o peixe-zebra ajudou a responder questões fundamentais na biologia do desenvolvimento. Nos anos mais recentes, tem sido central na investigação biomédica. Foto: Helfin/Adobe Stock

O espantoso deste comportamento é que, no seu conjunto, estes padrões sugerem que os peixes podem apresentar características únicas e personalidades distintas. Enquanto as suas reações rápidas são determinadas pelo no meio ambiente, as estratégias de longo prazo são moldadas por experiências anteriores, adquiridas desde os primeiros dias de vida.

“O nosso estudo mostra que até mesmo criaturas simples, como o peixe-zebra, têm mundos internos complexos influenciados pelas suas experiências. É um lembrete do quanto ainda existe por descobrir sobre as mentes dos animais.”

João Marques, investigador do Laboratório de Michael Orger, Fundação Champalimaud

As conclusões destacam como a aprendizagem pode prevalecer sobre estímulos sensoriais imediatos, conduzindo a diferenças individuais consistentes entre a mesma espécie. A descoberta destes mecanismos internos até agora ocultos abre novas oportunidades para compreender a base neuronal do comportamento.

Peixe-zebra em testes de radioterapia
Avatares de peixe-zebra com células de um tumor (a rosa) são usados em testes de sensibilidade à radioterapia na Fundação Champalimaud. Foto: Bruna Costa e Rita Fior/Fundação Champalimaud

Os passos seguintes vão estar agora focados nos processos neuronais que dão origem a estas estratégias de longo prazo. Compreender este comportamento do peixe-zebra pode ter implicações mais amplas sobre como personalidades e estratégias comportamentais se desenvolvem em animais mais complexos, como é o caso dos humanos.

Referências da notícia

Sridhar, G., Vergassola, M., Marques, J.C., Wyart, C. Uncovering multiscale structure in the variability of larval zebrafish navigation. PNAS (2024).

Groneberg, Antonia H., Marques, João C., Lucas Martins, A. Early-Life Social Experience Shapes Social Avoidance Reactions in Larval Zebrafish. Current Biology (2020).

Portugues, R., Feierstein, C, Engert, F., et al. Whole-Brain Activity Maps Reveal Stereotyped, Distributed Networks for Visuomotor Behavior. Neuron (2014).

Instituto Karolinska. Zebrafish in biomedical research. Estocolmo, Suécia.