Peixe mutante pode explicar como os animais foram do mar para terra
Os investigadores conseguiram criar ossos extra na barbatana, alterando um único gene. Esta mutação marca um passo fundamental na nossa compreensão da evolução das barbatanas em membros semelhantes aos nossos.
Cientistas da Universidade de Harvard conceberam peixes-zebra, como se vê na foto abaixo, que mostram a formação inicial de apêndices semelhantes a membros após uma única mudança genética. De acordo com os autores do estudo, publicado na revista Cell, a mutação marca um passo fundamental na compreensão da evolução das barbatanas para extremidades semelhantes às nossas e mostra como mudanças genéticas surpreendentemente simples podem criar avanços no desenvolvimento de estruturas complexas. Assim, estes resultados podem elucidar sobre a transição do mar para a terra dos vertebrados.
"Foi espantoso que uma única mutação pudesse criar ossos e articulações inteiramente novos", diz M. Brent Hawkins, autor principal do estudo. "Nas 30.000 espécies de peixes teleósteos, nenhuma tem este tipo de variação, pelo que o facto de termos encontrado um mutante como este realmente nos tirou o fôlego", reconhece o cientista. Os teleósteos formam uma linhagem diversificada que inclui peixes dourados, salmão, enguias, solha-das-pedras, peixe-palhaço, peixe-balão, peixe-gato e peixe-zebra.
Uma articulação em forma de cotovelo
A mutação que Hawkins e os seus colegas descobriram causa uma mudança nos ossos das barbatanas peitorais do peixe-zebra chamados "rádios proximais", que se ligam à articulação do ombro do peixe, semelhante à forma como o braço humano se liga ao nosso ombro. Mas ao contrário dos humanos e outros tetrápodes, o peixe-zebra não tem uma série destes elementos esqueléticos que se articulam com as articulações, como os componentes do nosso braço e dedos. Com esta mutação, desenvolve-se um novo conjunto de ossos longos chamados "rádios intermediários" que são capazes de se articularem com os rádios proximais existentes, formando uma articulação semelhante ao nosso cotovelo.
"Nesta mutação, obtém-se o novo osso, faz-se a articulação, e unem-se os músculos de uma só vez", diz o autor principal Matthew Harris professor associado de Genética na Harvard Medical School e na Harvard Orthopaedic School.
Os membros são considerados uma inovação evolutiva fundamental, permitindo aos vertebrados caminhar em terra e, no caso das aves e dos morcegos, voar. Estes resultados mostram que um grupo de peixes que se pensava terem perdido ou silenciado a maquinaria necessária para desenvolver apêndices semelhantes a membros, retém de facto uma latência inata para formar estas estruturas. "Com o nosso trabalho, encontrámos semelhanças inesperadas entre barbatanas e membros, e penso que existem ainda mais semelhanças que ainda têm de ser descobertas", diz Hawkins.
Deslocação em terra
Apesar destas descobertas, subsistem dúvidas sobre se estes novos ossos alteram a funcionalidade das barbatanas peitorais do peixe-zebra. Os próximos passos vão incorporar microscopia para determinar se a articulação destas novas espinhas é suficiente para influenciar a forma como o peixe se move. "Seria muito interessante ver, por exemplo, o que acontece se colocarmos o nosso mutante numa plataforma", disse Harris.
Com a descoberta destes mutantes, os investigadores abrem uma nova linha de perguntas sobre como os vertebrados deram os seus primeiros passos para a deslocação em terra e sobre a mecânica genética e de desenvolvimento necessária para que isso aconteça.