Os sons estranhos no céu voltaram, o que são?
Nas últimas semanas várias pessoas em distintos países do mundo documentaram sons estranhos provenientes do céu. Contactamos em exclusivo com uma Doutora em Física e especialista em Meteorologia do Espaço, que nos transmite um pouco de clareza a este tema inquietante.
O ponto de partida para lidar com esta questão são os inúmeros testemunhos (acompanhados de vídeos que viralizaram nas redes sociais), de pessoas de diferentes países do mundo, todas elas asseguram ter ouvido ao vivo, sons "estranhos e inquietantes" vindos do céu. Há quem os descreva como trompetes que soam através das nuvens, outros dizem que se assemelha à turbina ensurdecedora de um avião (que não pode ser vista e passa a baixa altitude), etc.
Em alguns meios de comunicação social circulam, lamentavelmente, oportunistas que associam estes sons a teorias da conspiração e apocalípticas, manchetes que só desinformam e geram pânico entre as pessoas com alegações sem base científica. Além disso, como a pandemia está a provocar o isolamento social preventivo, parece estar a aumentar a sensibilidade e a tendência da sociedade para acreditar em acontecimentos misteriosos, extraordinários ou sobrenaturais.
A equipa da Meteored Argentina pôs-se em contacto com a Doutora em Física Adriana Gulisano, especialista em Meteorologia do Espaço, Chefe do Departamento de Ciências da Atmosfera da Coordenação de Ciências Físico-Químicas e Investigações Ambientais do Instituto Antártico Argentino, e membro do laboratório líder de raios cósmicos LAMP (Laboratorio Argentino de Meteorología del esPacio).
A Dra. Gulisano, como profissional de Física, responde às nossas preocupações com a informação recolhida a partir dos trabalhos realizados por diferentes colegas (que investigaram estes sons há anos atrás), que os publicaram em revistas científicas de referência.
Fenómenos extraordinários, ou têm uma explicação científica concreta?
As explicações propostas para os sons naturais que carecem de uma fonte evidente são variadas. Não existe uma explicação única para os diferentes fenómenos de ruído atmosférico, mas sim uma multiplicidade de causas possíveis. No entanto, é de realçar que "não são fenómenos extraordinários, uma vez que estes eventos foram relatados desde o início do século XIX e existe uma variedade de obras científicas que têm vindo a estudar as diferentes explicações possíveis", conta-nos Gulisano.
O verdadeiro problema é vincular o som à fonte, pois isso pode ser um desafio por uma variedade de razões. Por exemplo, "em condições apropriadas de vento e perfis térmicos (de densidade) atmosférica, as ondas sonoras de baixa frequência podem propagar-se para distâncias significativamente além do alcance visível da fonte, tornando muito difícil encontrar a origem da mesma".
Teorias que sim, teorias que não…
Gulisano revela para a Meteored que, dentro das possíveis explicações em trabalhos científicos, incluem-se: aviões supersónicos, colisões de massas de ar quente e frio (os chamados 'céumotos'/skyquakes), vulcões de lama e/ou desgaseificação de gases explosivos; sons produzidos por tsunamis ou grandes ondas que atingem a costa libertando cristais de metano, trovões provocados por tempestades, estrondo de meteoros, areia que ressoa; estalidos de rochas, sismos locais ou ventos catabáticos sibilantes (este é o vento que desce das montanhas e está intimamente ligado à orografia particular do local). Estes últimos são a fonte natural de sons atmosféricos melhor documentada e melhor compreendida.
As ondas eletromagnéticas poderão estar relacionadas?
Entre as principais propriedades que podemos encontrar na ionosfera, observamos que esta camada ajuda principalmente na reflexão das ondas de rádio que são emitidas pelas antenas na superfície da Terra, o que permite que as ondas eletromagnéticas percorram grandes distâncias permitindo a comunicação em HF (alta frequência); mas estas ondas eletromagnéticas que se propagam na ionosfera, não possuem qualquer relação com as ondas sonoras que se propagam na baixa troposfera onde a atmosfera é neutra, explica.
Os raios cósmicos podem gerar sons ou luzes?
A precipitação de partículas carregadas em áreas polares sob determinadas circunstâncias pode excitar os elementos da atmosfera que devolvem a energia adquirida sob a forma de luz, gerando auroras visíveis a uma altitude de cerca de 100 km. Em termos mais gerais, porém, a cascata de reações nucleares que se geram no topo da atmosfera, produzindo uma precipitação extensa de partículas subatómicas que chegam ao nível do solo (píons, káons, mésons, muões, etc.), não são observáveis a olho nu e é necessário ter detetores especiais para medir o seu fluxo; explicou a Dra. Gulisano muito amavelmente à Meteored Argentina, a quem estamos gratos pela sua participação.