Os habitantes marinhos como alimento das modas sociais
A permanente interação dos subsistemas atmosfera, biosfera, geosfera e hidrosfera que compõem o sistema aberto Terra, resultam no perfeito equilíbrio simbiótico que possibilita a existência de vida no planeta. Conheça o importante papel que o marisco desempenha!
O singular optimum de temperatura média que caracteriza o planeta Terra, permite um equilíbrio climático favorável à existência de água e oxigénio, condições que propiciam ao desenvolvimento e proliferação da vida. No sistema interativo denominado de Biosfera, na esfera de vida, agregam-se elementos naturais e seres vivos como partes de um mosaico que compõe as dimensões terrestre e aquáticas. Porém, impactes decorrentes de alterações incontornáveis no clima do planeta, refletem-se em problemáticas de âmbito mundial que afetam transversalmente as mais diversas dimensões e impelem a soluções adaptativas que visem a eficácia do paradigma da sustentabilidade do planeta como um todo.
Da máxima de Lavoisier de que “nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, e considerando a relação homem-natureza como de integração e de complementaridade por oposição a dependência ou domínio absoluto; mecanismos e técnicas que mitiguem os efeitos antropogénicos são de premente importância em prol do bem comum.
Enfatize-se o paralelismo de que o Homem pertence à natureza tanto quanto o embrião pertence ao ventre materno. Dependente deste porquanto lhe suga recursos para o seu desenvolvimento. Porém, a subversão da dinâmica acontece quando este se transforma em parasita ao desgastar significativa e irreversivelmente a fonte, vulnerabilizando o risco da sua existência decorrente da extinção do hospedeiro. É assim crescente a importância atribuída à conservação do ambiente e preocupação com a degradação dos recursos naturais existentes no planeta, considerando a incomensurável dimensão dessas repercussões.
Os impactes das atividades vs proteção ambiental
97% da água do planeta, representados por um ambiente peculiar com assombrosos fenómenos próprios como marés, ondas, correntes, vórtices, (...), albergam toda uma biodiversidade que representa de 236 mil a milhões de espécies. De facto, como variável constituinte do sistema Terra, e daí interveniente no equilíbrio autorregenerador do mesmo, a fauna marinha personifica incontornável vulnerabilidade na manutenção da biodiversidade, face a constantes pressões naturais e antropogénicas.
Um dos principais problemas da sociedade, a poluição ambiental, no caso, os metais pesados, cuja quantidade aumenta em resposta proporcional ao aumento demográfico e à atividade industrial, sendo de elevada toxicidade, mesmo em baixa concentração, elementos químicos como o chumbo, fácil e tendencialmente se acumulam nos organismos vivos e na cadeia alimentar.
Altamente nocivo para os seres vivos, o chumbo é encontrado na natureza acumulado em minas como resultado dos processos de diferenciação que ocorreram durante a evolução do planeta. Porém, a exposição ao chumbo utilizado em diversos tipos de indústrias (extração mineira, cerâmica, baterias) é cada vez mais comum.
Destaque-se que o contacto humano com o chumbo pode levar, mesmo que em pequenas doses, a alteração na produção de hemoglobina e em processos bioquímicos cerebrais que induzem a alterações psicológicas e comportamentais, a distúrbios em praticamente todas as partes do organismo, desde o sistema nervoso central, sangue, rins, culminando com a morte.
Muito mais do que petisco, os artrópodes como aliados
O camarão, da espécie Litopenaeus vannamei, do filo artrópode, habita ambientes marinhos de água doce ou salgada. Com a carapaça, o exosqueleto composto maioritariamente por quitina, segunda substância orgânica mais abundante na biosfera, constitui a matriz da estrutura esquelética de invertebrados como antrópodes, algas diatomáceas, e paredes celulares de alguns fungos, como zigomicetos.
Relacionados com uma infinidade de recursos terra, água, energia, ração, mão-de-obra, equipamentos, antibióticos, em prol de uma actividade lucrativa como a do cultivo de camarões em cativeiro, o seu impacte deve ser minimizado, uma vez que, para além da lucratividade por modas culinárias, a potencialidade dos seus resíduos, no caso, das cascas, representam alternativa à constituição das vulgares baterias!
Considerando que a cabeça e a casca correspondem a cerca de 40% do seu corpo, industrialmente, durante o processo de “descasque” do camarão geram-se substanciais quantidades de resíduos sólidos. Estes, vulgarmente enterrados ou “devolvidos” ao mar, representam consideráveis problemas ambientais, por isso um auspicioso desafio! Assim, e no âmbito da optimização de recursos, a quitina, como segundo biopolímero mais abundante na natureza, tem como vantagem apresentar uma taxa de reposição duas vezes maior que a da celulose.
Apesar da similaridade em termos de estrutura química entre a celulose e o produto obtido do processamento das cascas destes crustáceos, a transformação deste biopolímero em quitosano, desperta grande interesse comercial em virtude das possibilidades de aplicações que representa. A versatilidade desta substância, da casca de camarão, que contém oxigénio e azoto, alicerça a criação de baterias de armazenamento de energia de fontes renováveis, de forma mais sustentável e económica, através de biomassa e resíduos alimentares.
As baterias VRF - fluxo oxidação-redução de vanádio, ao contrário das baterias de lítio usadas na indústria automóvel, não fornecem alta densidade de energia, mas fornecem um grande volume de armazenamento a baixo custo, o que as torna ideais para acumular energia de fontes renováveis, como a solar e a eólica, cuja produção é ininterrupta. Nenhum grupo animal apresenta o leque de diversidade morfológica observada entre os contemporâneos crustáceos. Uma diversidade atingida como resultado de milhões de anos de evolução, oriunda do início do longínquo Câmbrico.
Efetivamente, os decápodes marinhos, no caso o petisco camarão, representa, além de importante fonte como recurso económico, considerável valor nutricional, uma resposta ambientalmente eficaz à nocividade que a exacerbada exploração mineira demandada pelas necessidades da sociedade moderna. O mote deverá passar por revitalizar o descartado, potenciando uma melhor vivencia, num mundo mais saudável!