Podem os coletores de neblina ser a solução para combater a escassez de água potável no mundo?
Num planeta onde 1 em cada 3 pessoas não tem acesso a água potável, a captação artificial de água de neblina destaca-se como um projeto inovador. Como funciona e que países o utilizam?
Especialistas da Universidade de Nova Gales do Sul (UNSW) dizem que a criação de água a partir do ar que nos rodeia pode ser uma ferramenta importante para satisfazer as necessidades de milhões de pessoas em todo o mundo.
A professora Kristen Splinter, diretora geral do Laboratório de Investigação Hídrica da UNSW, e o ex-engenheiro civil Daniel Lambert destacaram o potencial da tecnologia durante um episódio da série de podcasts Engineering the Future da UNSW.
“Se considerarmos as inovações na área hídrica, a geração de água atmosférica é realmente interessante. A sua viabilidade comercial e em grande escala ainda não foi demonstrada, mas poderia ajudar a resolver alguns dos nossos problemas para as comunidades sem acesso ao abastecimento de água doce”, afirmaram eles.
“Poderia ser especialmente relevante para comunidades localizadas em ambientes húmidos”, diz Lambert. Splinter concorda que a tecnologia é promissora, embora nas condições adequadas. Mas esta solução não pode resolver todo o problema mundial. A humidade é fundamental para a geração de água atmosférica, portanto o problema persistirá em climas mais secos.
Como é que a neblina é recolhida?
A captação de água de neblina é dividida em dois métodos fundamentais: a intercetação natural, através da copa da vegetação, e a utilização de estruturas artificiais conhecidas como coletores de neblina ou captadores de neblina.
Nos métodos naturais, a vegetação desempenha um papel crucial na captura da neblina através das suas folhas e ramos, permitindo que a água se acumule e goteje para o solo, onde pode ser recolhida. Apesar da sua eficácia em determinadas áreas, estes sistemas requerem tanques de recolha e manutenção constante para garantir a sua funcionalidade e evitar impactos negativos no ecossistema.
Por outro lado, as estruturas artificiais apresentam-se como uma alternativa viável e em expansão no mundo, utilizando malhas para captação e canalização de água para tanques de armazenamento, também conhecidas como painéis captadores de neblina. Estes podem ser classificados como dispositivos cilíndricos ou bidimensionais, adaptando-se às diversas necessidades e condições climáticas.
Os coletores de neblina estão atualmente altamente desenvolvidos em regiões desérticas com presença de neblina, como o deserto do Atacama no Chile, Equador, Guatemala, Peru, Nepal, Israel e em alguns países africanos.
O caso de sucesso dos coletores de neblina no norte do Chile
O Chile destaca-se como a nação vanguardista na adoção da tecnologia de recolha de água da neblina, conhecida desde a década de 1960 graças à inovação de Carlos Espinosa Arancibia, físico da Universidade do Chile.
O Deserto do Atacama é o deserto mais árido do mundo, porém, nas suas costas, massas de ar húmido provenientes do Oceano Pacífico formam nevoeiros matinais ou nevoeiros de advecção, localmente chamados de camanchacas.
Espinosa Arancibia obteve a patente de invenção (Nº 18.424) para um dispositivo destinado a “captar água contida em neblina ou camanchacas”. Na altura ele doou a sua invenção à Universidade Católica do Norte e incentivou a sua difusão gratuita através da UNESCO.
O equipamento era um cilindro de 0,7 m de diâmetro no qual foram dispostos 1.300 monofilamentos Perlon de 0,5 mm de diâmetro e 2 m de comprimento. No fundo deste sistema havia um funil metálico e um tanque de acumulação de água. Depois veio uma série de melhorias e Carlos Espinosa Arancibia é reconhecido mundialmente como um dos pais desta invenção.
Os coletores de neblina utilizados nas cidades do norte do Chile foram desenvolvidos em conjunto com cientistas israelitas. São constituídos por um pedestal metálico sobre o qual existe uma grande moldura, com cerca de 6 m de comprimento por 4 m de altura. Esta moldura contém uma malha plástica que facilita a condensação do nevoeiro. Na sua parte inferior existe um canal e um tanque coletor.
Estes dispositivos são instalados em locais altos expostos à camanchaca e são conectados por tubulações a tanques de armazenamento de água. Os rendimentos esperados de captação de água estão entre 2 e 10 litros/m² por dia.