Os ciclos de vida de alguns insetos adaptam-se bem a um clima em mudança: outros, nem tanto
Alguns biólogos especulam que os animais ficarão mais pequenos com o aquecimento global para reduzir o stress térmico. Mas isto não se aplica a todas as espécies. Saiba mais aqui!
Os cientistas defendem que alguns animais poderão diminuir de tamanho de forma a suportarem os efeitos do aquecimento global. Mas, embora isto possa ser verdade para os animais de sangue quente, o que dizer dos exotérmicos, como os insetos?
Graças a uma coleção de gafanhotos com 65 anos, os cientistas documentaram que algumas espécies - as que passam o inverno como juvenis - ficaram maiores ao longo dos anos, ajudadas por uma primavera verde mais precoce. Os gafanhotos com outros estilos de vida ficaram mais pequenos. Muito disto pode ser previsto tendo em conta o que os biólogos sabem sobre os ciclos de vida dos insetos.
À medida que as populações de insetos diminuem em todo o mundo, naquilo a que alguns chamam de “apocalipse dos insetos”, os biólogos estão desesperados para determinar como as criaturas de seis patas estão a responder a um mundo em aquecimento e para prever os vencedores e os perdedores a longo prazo.
Há forma de prever e de nos prepararmos para as consequências
Um novo estudo sobre os gafanhotos do Colorado mostra que, embora as respostas sejam complicadas, os biólogos têm muitos dos conhecimentos necessários para fazer estas previsões e preparar-se para as consequências.
Os resultados deste estudo foram obtidos graças à descoberta fortuita de 13 000 gafanhotos, todos recolhidos no mesmo local nas montanhas do Colorado, entre 1958 e 1960, por um biólogo da Universidade de Colorado Boulder (CU Boulder).
Após a morte prematura desse cientista em 1973, a coleção foi resgatada pelo seu filho e doada ao Museu da Universidade do Colorado, onde permaneceu até 2005, quando César Nufio, na altura com um pós-doutoramento, a redescobriu. Nufio começou a fazer a curadoria da coleção e iniciou uma nova pesquisa nos mesmos locais para recolher mais gafanhotos.
Esta rica coleção de gafanhotos serviu para elaborar este estudo
Os novos insetos recolhidos permitiram a Nufio e aos seus colegas - Caroline Williams, da Universidade da Califórnia, Berkeley, Lauren Buckley, da Universidade de Washington, em Seattle, e a pós-doutorada Monica Sheffer, que trabalha em ambas as instituições - avaliar o impacto das alterações climáticas dos últimos 65 anos no tamanho de seis espécies de gafanhotos.
Como os insetos têm sangue frio e não geram o seu próprio calor, as suas temperaturas corporais e taxas de desenvolvimento e crescimento são mais sensíveis ao aquecimento do ambiente.
Apesar da especulação de que os animais diminuíram de tamanho para atenuar o stress térmico à medida que o clima aquece, os biólogos descobriram que algumas das espécies de gafanhotos aumentaram de tamanho ao longo das décadas, aproveitando o início da primavera para engordar com a vegetação.
Isto funcionou apenas para as espécies que passam o inverno como juvenis - uma fase chamada diapausa ninfal - e que, portanto, podem começar a comer na primavera. As espécies que eclodem na primavera a partir de ovos postos no outono - os diapausadores de ovos - não tiveram esta vantagem e tornaram-se mais pequenas ao longo dos anos, provavelmente devido ao facto de a vegetação ter secado mais cedo.
Williams, Presidente da Cátedra John L. e Margaret B. Gompertz de Biologia Integrativa da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Lauren Buckley afirma que até à data, tem sido um verdadeiro desafio compreender quais as espécies que poderão ganhar e perder com as alterações climáticas. A cientista e a equipa espera que este trabalho comece a demonstrar alguns princípios através dos quais se possa melhorar as previsões e descobrir como responder adequadamente às alterações dos ecossistemas decorrentes das alterações climáticas.
Foram resgatados mais gafanhotos
As coleções de museus tornaram-se inestimáveis para estudos a longo prazo dos efeitos das alterações climáticas, como exemplificado por um levantamento de mamíferos, aves, répteis e anfíbios realizado entre 1904 e 1940 por Joseph Grinnell do Museu de Zoologia de Vertebrados da Universidade de Berkeley. Pesquisas recentes nas mesmas áreas que Grinnell visitou 100 anos depois ajudaram os biólogos a documentar os efeitos das alterações climáticas na vida selvagem da Califórnia.
Nufio e muitos outros acabaram por recolher cerca de 17 000 novos espécimes de gafanhotos nos mesmos locais ou em locais semelhantes em redor de Boulder. Embora o novo artigo seja o primeiro a relatar as mudanças de tamanho dos gafanhotos entre 1960 e 2015, os autores aproveitaram estudos anteriores no laboratório e em parcelas experimentais para compreender por que razão encontraram os padrões que encontraram.
Os insetos pertenciam a um grande grupo de gafanhotos não descritos da família Acrididae, os chamados gafanhotos de chifres curtos. A maioria dos insetos eram herbívoros generalistas, embora alguns se especializassem em gramíneas.
Duas espécies (Eritettix simplex e Xanthippus corallipes) eram ninfas diapausadoras, atingindo a idade adulta logo em maio; duas (Aeropedellus clavatus e Melanoplus boulderensis) eram diapausadoras de ovos no início da estação, amadurecendo em meados de junho; e duas (Camnula pellucida e Melanoplus sanguinipes) eram diapausadoras de ovos no final da estação, amadurecendo no final de julho.
Os investigadores descobriram que as ninfas diapausadoras aumentaram de tamanho em altitudes mais baixas, cerca de 1.000 metros, enquanto as emergentes precoces e tardias, provenientes de ovos invernantes, diminuíram de tamanho ao longo das décadas nessas altitudes.
Uma coisa que surpreendeu os investigadores, no entanto, foi o facto de nenhuma das espécies ter aumentado de tamanho em altitudes mais elevadas, até cerca de 4 mil metros, apesar do facto de o aquecimento do verão devido às alterações climáticas ser maior em altitudes mais elevadas.
Isto pode dever-se ao facto de, em altitudes mais elevadas, a neve inibir o crescimento verde no início da estação, reduzindo a oferta de alimentos. Os resultados confirmam o que a equipa descobriu quando enjaulou gafanhotos a várias altitudes para ver como se adaptavam às mudanças de altitude em termos de calor e secura.
Lauren Buckley.
Outras experiências efetuadas por Buckley com borboletas mostram algumas das mesmas tendências.
A equipa continua a colaborar para compreender as alterações metabólicas, bioquímicas e genéticas subjacentes às alterações de tamanho. Williams afirmou que a utilização destas coleções de museus permitiu recuar no tempo para comparar exatamente os mesmos locais - não houve quaisquer alterações na utilização do solo durante este período de aquecimento de 60 anos - utilizando exatamente a mesma metodologia.
Referência da notícia
César R. Nufio,Monica M. Sheffer,Julia M. Smith,Michael T. Troutman,Simran J. Bawa,Ebony D. Taylor,Sean D. Schoville,Caroline M. Williams,Lauren B. Buckley. Insect size responses to climate change vary across elevations according to seasonal timing. PLOS Biology (2025).