O que se passa com as nuvens? Elas estão a mudar e podem agravar o aquecimento global

A composição, distribuição e quantidade de nuvens alterou-se nas últimas décadas. Elas estão a perder a capacidade de regular a temperatura do planeta e os cientistas não conseguem ainda prever os impactos no clima.

Pescador recreativo
A influência das mudanças climáticas nas nuvens e o seu impacto no aquecimento global ainda são fenómenos pouco conhecidos para a ciência. Foto: Pixabay

Quem nunca andou com a cabeça nas nuvens, tentando descobrir nas suas formas rostos, animais ou objetos? O que os investigadores veem, no entanto, está bem distante das nossas fantasias.

Aos olhos dos cientistas, as nuvens são um conjunto de partículas minúsculas de gelo ou de água líquida em suspensão na atmosfera e com impactos diretos no clima.

À primeira vista, são fenómenos da natureza simples de explicar até para uma criança. Mas a forma como as nuvens são afetadas pelas mudanças climáticas e como isso influencia o aquecimento global é ainda uma área com muitas incertezas para os cientistas que tentam prever futuras tendências do clima.

As metamorfoses das nuvens

As nuvens regulam a temperatura da Terra, refletindo parte da radiação de volta ao espaço e impedindo, assim, que os raios solares aqueçam o solo. Em média, dois terços da superfície do planeta estão cobertos por nuvens.

Mas os investigadores estão agora a perceber que a sua composição, distribuição e quantidade têm vindo a se alterar, com consequências ainda não totalmente conhecidas para o clima.

árvore isolada sob um céu carregado de nuvens
A composição, a distribuição e a quantidade das nuvens estão a mudar, com implicações climáticas ainda não totalmente compreendidas. Foto: Pixabay

Uma investigação do Instituto Goddard da NASA revelou, por exemplo, que a cobertura de nuvens reflexivas diminuiu nas últimas duas décadas, permitindo a entrada de mais luz e aumentando o aquecimento global.

Agora, os cientistas têm de investigar o que estará na origem dessas mudanças. Precisam de perceber se estas metamorfoses são uma resposta às alterações climáticas e que impactos podem trazer para o aquecimento do planeta.

As nuvens estão também a deslocar-se em direção aos polos, expandindo as zonas secas subtropicais.

Um estudo da Universidade da Califórnia em San Diego, publicado na Nature, sugere que essa alteração pode aumentar o aquecimento global. Entre 1983 e 2009, os investigadores notaram que os topos das nuvens estão mais elevados.

Essa altitude provoca uma maior absorção de radiação solar pela Terra e reduz a emissão de radiação térmica para o espaço, agravando o aquecimento global que, como sabemos, é provocado pelo aumento da concentração de gases com efeito de estufa.

Mudanças a baixa altitude

As nuvens afetam o equilíbrio energético da Terra de formas distintas. As mais baixas refletem fortemente a radiação solar, produzindo um maior efeito de arrefecimento. As mais altas, em contrapartida, provocam um considerável efeito de estufa e contribuem menos para o arrefecimento.

E são precisamente as nuvens formadas em altitude baixa – as cumulus, status e stratocumulos - que, de acordo com o estudo do Instituto Alfred Wegener, na Alemanha, estão em declínio.

Ao comparar os dados recolhidos desde 1940 e cruzá-los com informações sobre a cobertura de nuvens em várias altitudes, os cientistas concluíram que 2023 foi, no período analisado, o ano com a menor quantidade de radiação solar refletida de volta ao espaço pela superfície e pela atmosfera da Terra.

Criança no jardim
As nuvens de baixa altitude, com um impacto significativo no arrefecimento do clima, estão a diminuir. Foto: Rudy e Peter Skitterians/Pixabay

Não está muito claro, entretanto, por que há menos nuvens baixas. Mas os cientistas desconfiam que o aquecimento global é um dos fatores com maior peso. E, se assim for, podemos esperar um aumento significativo das temperaturas no futuro.

Microplástico e poluição trazem mais cristais de gelo

As nuvens não estão somente a moverem-se ou a desaparecer em altitudes mais baixas. A poluição está também influenciar a sua composição. A equipa da Penn State, nos Estados Unidos, já detetou microplásticos na atmosfera, demonstrando que atuam como nucleadoras de gelo nas nuvens.

A descoberta sugere que os microplásticos estão a influenciar a formação dos cristais de gelo nas nuvens, podendo condicionar os padrões de precipitação e de previsão do tempo.

O mesmo também está a acontecer, aliás, com a poluição industrial, concluiu um outro estudo de investigadores da Estónia, Canadá e Estados Unidos. As partículas de poluição atuam como sementes que aceleram a formação do gelo nas nuvens, contribuindo para desencadear a queda de neve.

Fumo lançado por fábricas
Os cientistas descobriram que a poluição das indústrias acelera a formação de cristais de gelo nas nuvens. Foto: Ralf Vetterle/Pixabay

As nuvens de gelo induzidas por poluentes foram encontradas em 67 fábricas de metal, cimento, papel e centrais elétricas na América do Norte, Europa e Ásia. O trabalho, publicado na revista Science, revela ainda que estas nuvens são mais finas, cobrem menos área e refletem menos luz solar.

Soluções temporárias para ganhar tempo

Com o avanço científico, poderia a tecnologia inverter as transformações que estão a ocorrer nas nuvens? Não é uma possibilidade a descartar, mas será prudente manter moderadas as expectativas.

Sombrear artificialmente a Terra poderia ajudar a atrasar o aquecimento global. O branqueamento das nuvens marinhas (Marine Cloud Brightening - MCB) é um dos principais métodos para modificar a radiação solar e compensar os efeitos do aquecimento global enquanto a descarbonização avança.

A técnica está a ser testada na Austrália para tentar reduzir o branqueamento da Grande Barreira de Corais. Mas os efeitos de resfriamento do MCB e as respostas das nuvens aos aerossóis são ainda pouco compreendidos.

mar e nuvens
O branqueamento das nuvens marinhas é uma técnica inovadora para atenuar os efeitos da radiação solar, mas não substitui a necessidade de descarbonizar a economia. Foto: Timo Volz/Pixabay

Apesar de potencialmente mais eficaz do que modelos anteriores, a inovação é apenas uma mitigação temporária, não uma solução definitiva. Por mais voltas que a ciência e tecnologia possam dar, descarbonizar a economia continua a ser o caminho mais consistente para combater o aquecimento global.

Referências da notícia

H. F. Goessling, T. Rackow, T. Jung, Recent global temperature surge intensified by record-low planetary albedo. Science.

Velle Toll, Jorma Rahu, Hannes Keernik, Heido Trofimov, Tanel Voormansik, Peter Manshausen, Emma Hung, Daniel Michelson, Matthew W. Christensen, Nicolas Bellouin, et al. Glaciation of liquid clouds, snowfall, and reduced cloud cover at industrial aerosol hot spots. Science.

Joel R. Norris, Robert J. Allen, Amato T. Evan, Mark D. Zelinka, Christopher W. O’Dell & Stephen A. Klein. Evidence for climate change in the satellite cloud record. Nature