O que é a Célula de Hadley e porque é que preocupa tanto os meteorologistas?
As células de Hadley são um ator-chave no transporte de calor na atmosfera. A sua expansão é cada vez mais evidente devido ao aquecimento global.
O esquema clássico da circulação geral da atmosfera (CGA) é bem conhecido. Em qualquer livro ou manual de Meteorologia e Climatologia, aparecem tanto a sua figura como explicações de como se comporta este mecanismo de transporte de calor na atmosfera terrestre.
As duas células de Hadley são o seu principal motor e a elas vamos dedicar algumas linhas, uma vez que há cada vez mais evidências de que se estão a expandir. A existência destas células ou laços de circulação foi proposta pela primeira vez pelo advogado inglês e meteorologista amador George Hadley (1685-1768).
Não deve ser confundido com o astrónomo, físico e matemático inglês da mesma época, Edmund Halley (1656-1742), famoso por calcular a órbita do cometa que tem o seu nome e prever as suas aproximações periódicas à Terra, de 76 em 76 anos.
A grafia de Hadley e Halley é muito semelhante, razão pela qual os seus nomes são por vezes trocados. Acontece também que Halley (o astrónomo) deu importantes contributos sobre os ventos alísios (devemos-lhe o primeiro mapa onde estão representados), que são um dos elementos-chave da CGA e estão intimamente ligados às células de Hadley.
Cada uma destas células envolve uma circulação meridiana (segundo a direção N-S), na qual o ar é transportado desde o equador até aproximadamente ao paralelo 30 (região subtropical) nos níveis superiores da troposfera, e na direção oposta nos níveis inferiores, como se pode ver no diagrama da figura. São impulsionados pela subida de ar que se verifica na faixa equatorial, gerada pela convecção provocada, por sua vez, pela forte insolação.
O aquecimento global está a expandir as células
As células de Hadley desempenham um papel importante na transferência de calor do equador para as latitudes médias. Estão sujeitas a uma inclinação sazonal, cuja amplitude varia consoante a longitude da Terra. Se nos cingirmos à célula localizada no hemisfério norte e ao âmbito geográfico das Ilhas Canárias e da Península Ibérica, em janeiro (inverno boreal) a célula recua para sul, sem ultrapassar o equador, e em julho (verão boreal) sobe de latitude, situando-se o seu ramo descendente em torno da Península.
A variabilidade natural do comportamento atmosférico faz com que estas alterações intra-anuais do comportamento da célula de Hadley não sejam iguais todos os anos. Embora a inclinação inverno-verão do anticiclone dos Açores seja um padrão fixo, as coisas estão a começar a mudar. Se até agora o principal modulador desta mudança sazonal era a luz solar, desde há algum tempo que o aquecimento global está a ganhar cada vez mais peso.
No seu sexto e último relatório (AR6), publicado em 2021, o IPCC atribui um elevado nível de confiança à expansão das células de Hadley para as altas latitudes, indicando que, no caso particular da célula localizada no hemisfério norte, essa expansão e movimento para norte têm sido observados desde 1980.
Quais são as consequências na Península Ibérica?
O que acabámos de referir é algo que está a tornar-se cada vez mais claro. As incursões de ar subtropical na Península e nas Ilhas Baleares são cada vez mais frequentes, ocorrendo em todas as estações do ano. As incursões de cristas quentes não são mais do que o reflexo da expansão da célula de Hadley, com as consequências que estamos a ver: aumento dos períodos de seca e das secas, bem como anomalias positivas de temperatura quase permanentes, com uma magnitude crescente.
Este padrão observado está a conduzir-nos a uma subtropicalização do clima, tanto na Península Ibérica, como nas Ilhas Baleares. As projeções climáticas sugerem que esta expansão das células de Hadley continuará durante o resto do século, em paralelo com o aumento contínuo da temperatura.
Estamos a testemunhar a confirmação do forçamento do aquecimento global na circulação geral da atmosfera. Tanto o aumento da frequência e da magnitude das secas como o calor extremo e a irregularidade das chuvas são elementos que, para além de dificultarem a nossa adaptação, complicam a gestão de uma multiplicidade de atividades, intimamente ligadas ao comportamento meteorológico e climático.