O que acontece quando golfinhos e humanos pescam juntos? O caso único de Laguna mostra que todos ficam a ganhar
Desconhecia-se, até agora, qual a vantagem dos golfinhos em ajudar os pescadores brasileiros a apanhar peixe. Cientistas descobriram que a sua sobrevivência aumenta em 13%. A prática é centenária, mas corre o perigo de desparecer.
Os pescadores de Laguna, cidade piscatória do sul de Santa Catarina, no Brasil, nunca sabem quando Tafarel, Princesa, Jocelino e os restantes companheiros vão aparecer. Mas ninguém fica impaciente com a demora. A espera faz parte do jogo e, assim que surgem junto à costa, o trabalho começa.
Relações de ganho mútuo entre espécies são bem conhecidas entre os investigadores. Corais e microalgas, aves e grandes herbívoros ou insetos e plantas desenvolvem interações de simbiose essenciais para o bem-estar e sobrevivência de ambas as partes.
Colaboração única entre animais e humanos
A cooperação entre pescadores e golfinhos de Laguna, no entanto, é um exemplo singular de sinergia entre humanos e natureza e o mais espantoso é que se repete há mais de um século.
A sua relação tem sido estudada ao longo dos anos, mas uma investigação recente, publicada na PNAS, revelou que esta colaboração aumenta a taxa de sobrevivência dos golfinhos em 13% face aos restantes animais da mesma espécie que não participam nesta interação.
O estudo, conduzido por investigadores da Oregon State University, nos Estados Unidos, teve como principal intuito descobrir se os golfinhos estavam a colaborar conscientemente com os humanos da cidade de Laguna.
Maurício Cantor, investigador da Oregon State University e principal autor do estudo.
Para investigar as motivações por detrás deste comportamento, os cientistas acompanharam durante mais de 15 anos o golfinho-nariz-de-garrafa nas suas atividades piscatórias com os pescadores, mas também por conta própria. Utilizaram drones, câmaras e microfones subaquáticos para registar os momentos em que a espécie procurava por alimento.
A tecnologia permitiu descobrir que apanhavam mais peixe quando trabalhavam em sincronia com os pescadores de Laguna, mostrando que esta é uma relação mutuamente benéfica para homens e cetáceos.
A sincronização na pesca entre pescadores e golfinhos é específica deste lugar e ocorre há pelo menos 140 anos. Não estando codificada nos genes de nenhuma das espécies, é antes uma tradição cultural passada de geração em geração tanto entre os homens, como entre os golfinhos.
Uma tradição em perigo
O estudo revela que relações simbióticas entre humanos e animais já foram mais comuns, mas, além de pouco estudadas, têm vindo a desaparecer rapidamente.
A entreajuda entre aves e recoletores de mel é um desses casos raros que ainda resiste nas florestas de Lavumisa, em Essuatíni, país da África Austral, anteriormente denominado de Suazilândia.
Um dos fatores que está a ameaçar a continuidade desta cooperação interespécies é a redução das populações de tainhas, da família Mugilidae, fundamentais para a subsistência quer de humanos quer de golfinhos. E há ainda mais um motivo de preocupação: o desinteresse que as gerações mais jovens de pescadores demonstram por esta prática centenária.
Observar, documentar e divulgar esta relação de ganho mútuo pode ser uma forma de manter viva a tradição. É essa, pelo menos, a esperança dos autores do estudo. Mas advertem também para outras medidas de conservação igualmente urgentes.
Proteger a tainha, alvo de sobrepesca industrial, é um passo determinante nesta estratégia, defendem os cientistas. A valorização da pesca artesanal é, do outro lado, a medida mais importante para preservar esta prática junto dos pescadores locais.
Será preciso, como tal, contrariar esta tendência para que um “legado único de relação entre humanos e não-humanos não se perca no tempo”, rematam os autores do estudo.
Referência do artigo
Maurício Cantor, Damien R. Farine, Fábio G. Daura-Jorge. "Foraging synchrony drives resilience in human-dolphin mutualism". Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)