O 'ouro verde' do deserto
Representando aproximadamente 61 milhões de km², equivalente a metade da área emersa livre de gelo, as vastas áreas secas do planeta rompem o inóspito deserto ao albergarem plantas de aparência distinta, singular beleza, importância medicinal e potencial energético - os cactos.
A água é a substância fundamental à vida. Tudo precisa de água para existir – plantas, animais, Homem, todas as suas funções orgânicas exigem a renovação rápida da água contida nas células ou nos líquidos intercelulares. O próprio equilíbrio do mecanismo climático têm-na como imprescindível.
A singularidade das propriedades físico-químicas das moléculas de água, como a elevada componente de calor manifestada na evaporação da água dos oceanos, e no efeito arrefecedor da flora através da transpiração, incontornavelmente inferem na estabilização da temperatura na biosfera.
Estatisticamente prevê-se que o aumento, quer do desequilíbrio quantitativo dos gases que atuam no efeito estufa, quer do valor da temperatura média do ar, representem variações que se refletirão em inconstantes padrões pluviométricos traduzidos em episódios extremos de secas e cheias, que afetarão o ciclo de sobrevivência dos seres florísticos. Na maioria dos tecidos vegetais das herbáceas, o conteúdo celular de água é superior a 90%, alcançando os 95% em folhas de alface, meristemas e frutos, porém, existe toda uma família de plantas onde a água constitui apenas 5% da massa, caso de certos líquenes, o que lhes permite sobreviver longos períodos em condições de desidratação (anidrobiose).
A importância da água na flora
Tendo-se especializado, ao longo dos tempos a resistir a períodos de privação de água, os cactos, pertencentes, na taxonomia botânica à família Cactaceae, caracterizam-se mais proeminentemente por conseguirem sobreviver em ambientes extremamente quentes e áridos, estrategicamente acumulando e economizando água nos seus tecidos. E é no caule, grosso e cascudo, que é armazenada a água, e que se localizam os estomas, as células que garantem a realização das trocas gasosas da planta com o meio. Adaptaram a sua evolução, na forma e na fisiologia, constituindo-se por folhas reduzidas e modificadas para espinhos, no sentido de diminuir a área de superfície pela qual a água é perdida, através da transpiração.
Nativos do continente Americano, existem mais de 1500 espécies de cactos no planeta, distribuindo-se desde terras secas a florestas húmidas, desde Alberta no Canadá, até à Patagónia na Argentina. Povoam desde as planícies costeiras até às montanhas com 3000m de altitude, destacando-se decrescentemente, pela elevada riqueza de espécies e endemismo, áreas como o México e sudoeste dos EUA, a região central dos Andes, o Brasil oriental e o Norte da Argentina. Poucas espécies de cactos são encontradas de forma natural noutros continentes, excetuando a Rhipsalis baccifera, presente em países equatoriais de África, Madagáscar e Sri Lanka, onde se supõe ter sido introduzida por aves migratórias.
A potencial sustentabilidade da flora enquanto gerador de energia
Possuindo dois sistemas de condução de substâncias, o xilema, que transporta seiva da raiz até às folhas, e o floema, o processo que remete de volta às raízes, a matéria orgânica decorrente da fotossíntese, as plantas demonstram assim capacidade para produção de energia. Esta asserção baliza um auspicioso projeto em curso na Universidade de Linkoping.
Aqui transformam os caules das plantas em protótipos de cabos elétricos, incorporando uma solução polimerizada com elevada condutividade elétrica, na parte lenhosa das plantas para solidificar os caules, e nanofibras de celulose nas folhas, para as tornar condutoras. Assim, a energia eletroquímica gerada a partir dos eletrólitos presentes nas folhas, indispensáveis para a fotossíntese, convertem-se em energia elétrica. No mesmo âmbito, aluda-se o nopal, espécie de cacto, da família Cactaceae, cuja folha oval é representada na bandeira nacional do México, sendo amplamente utilizada na tradicional culinária mexicana, consumida como alimento saudável, em saladas, tortilhas, nachos e shakes.
Um alimento cuja importância é crescentemente valorizada mundialmente, considerando, para além da abundância em macro e micronutrientes, necessários para uma alimentação equilibrada, como fonte de fibra, fósforo, potássio, magnésio, ferro, cálcio, aminoácidos, clorofila e vitaminas A, B, C e K, tem efeito anti-inflamatório, sendo usado desde tempos imemoriais para curar doenças de pele e queimaduras, tendo recentes pesquisas científicas demonstrado possuir também propriedades anticancerígenas.
A procura deste cacto super-alimento é tal, que urge definir assertivas estratégias para mitigar os efeitos poluentes dos seus resíduos não comestíveis, tendo sido percecionada por empresários mexicanos a possibilidade de os transformar numa nova fonte de combustível. De facto, as plantações de nopal produzem 300 a 400 toneladas de biomassa por hectare, podendo atingir as 1000 toneladas quando em solos mais férteis. O processo consiste em, após o corte e processamento para extração da farinha, os resíduos serem misturados com estrume de ruminantes num bioprocessador, num tanque de fermentação que, por aquecimento, leva à destilação do combustível extraído dos resíduos do nopal.
O cultivo do nopal requer uma quantidade residual de água, representando por isso uma estratégia com potencial vencedor, considerando vantagens sociais no âmbito da criação de emprego, evitando a necessidade de emigração e os riscos humanos inerentes, vantagens económicas no que concerne à redução dos custos de processamento industrial, bem como, a relevante importância ambiental considerando a sua utilidade como biocombustível, numa valência alternativa aos combustíveis fósseis usados na região.
As culturas de milho, cana-de-açúcar, soja e óleo de palma, representam 97% dos biocombustíveis em todo o mundo, e são frequentemente cultivadas em grandes monoculturas. Ocupam terras que poderiam ser usadas para produzir alimentos, destroem habitats e geram desequilíbrios nos ecossistemas, com drástica pressão nos recursos hídricos. A bem da saúde do planeta, o mote reside em, crescentemente ampliar o uso de biocombustíveis sem aumentar o consumo de água, focando particularmente no reaproveitamento dos resíduos agrícolas e industriais.