Novos estudos apontam para a origem da COVID-19 em mercado de Wuhan
Uma equipa de especialistas internacional confirmou a existência de duas linhagens de SARS-CoV-2 que passaram de animais para humanos no mercado de Huanan e proliferaram a partir da região de Wuhan.
A discussão pública em torno da origem do SARS-CoV-2 está, desde o início, envolvida em grande controvérsia e pautada por várias teorias infundadas. Desde 2020, têm sido muitas as teses de que o vírus teve origem artificial e eclodiu após um acidente num laboratório de alta biossegurança ou até, que se tratou de um vírus de origem natural que escapou a partir do laboratório.
Muitas das teorias lançadas deveram-se aos obstáculos impostos pela China à investigação independente, o que favoreceu o aparecimento de boatos e dificultou o conhecimento em detalhe sobre as razões para o aparecimento do novo coronavírus.
Sabe-se agora que o vírus deverá ter sido transmitido aos humanos em dois eventos de propagação em finais de novembro de 2019, através de animais ainda vivos comercializados no mercado da província de Hubei.
As sequências genéticas do SARS-CoV-2 não mostraram sinais de manipulação artificial e as análises epidemiológicas iniciais confirmaram o mercado local de Wuhan como a origem da disseminação do vírus entre pessoas.
E quando, onde e como o novo coronavírus passou de animais para humanos?
A revista Science publicou recentemente dois artigos que demonstraram que o epicentro inicial da COVID-19 foi o mercado de Huanan. O enorme volume de dados descarta agora a hipótese de ter existido outra origem geográfica.
Num primeiro estudo analisou-se a localização dos 174 casos confirmados de COVID-19 durante o mês de dezembro de 2019, sendo que 155 dos quais tiveram origem em Wuhan. Para tal, foi efetuado um trabalho de campo intensivo na cidade para identificar os primeiros casos de COVID-19 e a origem das infeções.
Os investigadores também analisaram os fluxos das pessoas para o mercado de Huanan. A principal conclusão da investigação relata que os infetados frequentaram ou residiam nas proximidades do mercado de Huanan.
Aliás, o foco de infeções não aconteceu nas proximidades ao laboratório de alta segurança biológica, como seria de esperar, caso o coronavírus realmente tivesse surgido nestas instalações.
O fenómeno foi consistente com o comportamento de um surto inicial de uma doença infeciosa: primeiro, as infeções surgiram diretamente relacionadas com o local onde o agente patogénico apareceu e, posteriormente, as pessoas infetadas contaminaram outras nas áreas que frequentaram, muitas delas próximas ao foco do surto e assim, sucessivamente, foram proliferando pelo mundo.
A segunda investigação centrou-se nos resultados das amostras laboratoriais recolhidas nas bancas do mercado de Wuhan. A análise destas amostras apontaram para uma maior probabilidade de testar positivo ao SARS-CoV-2 associada às amostras recolhidas nas bancas que vendiam animais selvagens vivos, designadamente as raposas, os texugos e os cães-guaxinim.
Através da técnica laboratorial designada de relógio molecular, concluiu-se que a introdução da SARS-CoV-2 nos humanos aconteceu em dois momentos diferentes – o primeiro com linhagem original nos morcegos e um segundo de evolução relativamente àquela primeira. Entre os dois períodos, provavelmente, passou-se uma semana, o que revela a rapidez de infeção deste vírus!
O que terá acontecido no mercado de Huanan para criar este fenómeno de superdisseminação do vírus?
Os dados de geolocalização nas redes sociais evidenciaram que este fenómeno será de difícil explicação. O mercado não recebeu um grande fluxo de pessoas e seria altamente improvável a disseminação das duas linhagens de SARS-CoV-2 nesse local, sem ser a fonte do vírus. Aliás, o excesso de mortalidade foi registado, pela primeira vez, nos distritos localizados na proximidade do mercado.
Por outro lado, nos meses de novembro e dezembro de 2019, várias espécies de mamíferos, suscetíveis a infetarem-se e a transmitirem o SARS-CoV-2 a humanos, foram vendidas numa área específica do mercado.
As análises de amostras efetuadas às gaiolas, aos carrinhos de transporte e aos aparelhos de remoção de pelos e penas evidenciaram resultados positivos para o novo coronavírus. Os primeiros casos de COVID-19, identificados anteriormente a 20 de dezembro de 2019, foram de indivíduos que estiveram nesta área do mercado onde os animais eram vendidos.
E sabe-se qual terá sido a espécie responsável pela transmissão do vírus aos humanos?
Apesar das investigações exaustivas realizadas, há detalhes que permanecem nublados. E, neste sentido, claro que ainda não se sabe qual terá sido a espécie animal responsável pela transmissão do vírus aos humanos no mercado de Huanan.
A 31 de dezembro de 2019, o mercado foi fechado sem se terem levantado amostras das espécies animais suspeitas de terem transmitido o SARS-CoV-2. Tal ausência de detalhes, impede de saber se existiriam outras variantes de vírus a circular entre os animais que acabariam por contaminar os humanos.
Apesar de muitos estudos e do avanço científico nos domínios da Saúde Pública, existem muitos detalhes sobre o SARS-CoV-2 a nível internacional que serão desconhecidos para sempre. No entanto, as lições apreendidas com as investigações e o envolvimento generalizado de investigadores, políticos e comunidades locais serão inestimáveis na tentativa de evitar consequências tão gravosas numa próxima pandemia.