Mar do Norte e a "Grote Mandrenke": uma das maiores tempestades da História
A Grote Mandrenke foi uma forte tempestade que varreu a Inglaterra, Países Baixos, norte da Alemanha e Dinamarca em 1362. Terá causado milhares de mortes de uma só vez e é considerada a maior inundação da história do Mar do Norte.
O mar do Norte é um mar do oceano Atlântico, situado entre as costas da Noruega e da Dinamarca ao leste, a costa das Ilhas Britânicas ao oeste e a Alemanha, Países Baixos, Bélgica e França ao sul e banha o principado não-reconhecido de Sealand.
A superfície do mar do Norte é de aproximadamente 575 000 km², o volume aquático é de cerca de 54.000 km³.
Um breve olhar cronológico sobre a variação do nível do Mar do Norte nos últimos 10.000 anos
Há 10.000 anos, o sul do Mar do Norte era uma planície pantanosa onde se passeavam alces e veados, e os forrageadores da Idade da Pedra por lá caçavam e pescavam. A Inglaterra fazia parte do continente até cerca de 6.000 a.C., momento em que a subida do nível do mar causada pelo aquecimento pós-Era Glacial encheu o Mar do Norte.
Em 3000 a.C., o oceano apresentava níveis quase modernos. O nível do mar variou de forma contínua ao longo da Pré-História e tempo dos Romanos, mas subiu consideravelmente após o ano 1000. Durante os 200 anos seguintes, o Mar do Norte chegou a ascender 40 a 50 centímetros acima da sua altura atual nos Países Baixos, recuando depois lentamente à medida que as temperaturas caíam paulatinamente no Norte.
O Mar do Norte quase transbordava nos dias mais calmos. Quando marés excecionalmente altas coincidiam com ventos de rajada, as águas furiosas galgavam milhares de hectares de terreno agrícola costeiro em poucas horas. De facto, os séculos XIV e XV foram frutíferos na sua dose de eventos catastróficos.
Há sete séculos, o Mar do Norte banhava costas bem diferentes das de hoje. Refira-se um estuário raso, entretanto desaparecido que se entranhava pela East Anglia adentro, fazendo com que Norwich e Ely fossem portos importantes. Inúmeros riachos e canais penetravam nas terras agrícolas, recebendo milhares de pequenas embarcações, comerciantes e pescadores.
Estes mesmos riachos tornavam as baixas costas litorâneas vulneráveis a tempestades imprevisíveis. As estreitas entradas eram completamente varridas e a terra ficava inundada nas duas margens, obrigando à evacuação de aldeias inteiras ou afogando-as praticamente sem qualquer “aviso”.
O oceano implacável galgava praias e enseadas estreitas, devorando tudo o que encontrava pela frente: casas feitas de colmo, porcos, vacas e bois que rolavam como dados pelos campos inundados, famílias inteiras de gente esfarrapada que se agarrava àquilo que pudesse. Era um autêntico caos.
Ninguém resistia ao ataque de um “furioso” Mar do Norte que facilmente arrastava os diques de terra da época. O conhecimento hidrológico e tecnológico capaz de erigir fortificações costeiras permanentes ainda não existia. Estavam assim reunidas as condições para esporádicas catástrofes decorrentes de tempestades nascidas no Mar do Norte.
Foi o que aconteceu durante os séculos XIII, XIV e XV, com grande destaque para aquela que é considerada a maior tempestade do século XIV (1362), conhecida como Grote Mandrenke ou o “Grande Afogamento dos Homens”, em português.
Great Mandrenke: um cataclismo que ceifou a vida de 25.000 pessoas
O Grote Mandrenke é o nome atribuído a uma poderosa tempestade de sudoeste que varreu o Sul da Inglaterra e o canal, subindo depois para o Mar do Norte. Este evento de proporções trágicas ocorrido em janeiro de 1362 terá sido, provavelmente, a maior inundação do Mar do Norte da História.
Ventos com força de furacão derrubaram torres de igreja em Bury St. Edmunds e Norwich, em East Anglia. Os movimentados portos de Ravenspur, perto de Hull no Yorkshire, e de Dunwich, na costa de Suffolk, sofreram danos severos na primeira de uma série de catástrofes que acabariam por destruí-los.
Ondas enormes e uma considerável subida do nível do mar – uma maré de tempestade – provocada pela ação combinada da intensidade do vento e da elevação da superfície do mar (por causa da baixa pressão de ar) inundaram e dizimaram extensas áreas da linha costeira dos dos Países Baixos, do norte da Alemanha e da Dinamarca.
A vaga de tempestades foi de tal forma colossal que, no norte da Holanda, ficou esculpido um enorme mar interior, o Zuider Zee. As terras agrícolas de primeira categoria só foram recuperadas já em pleno século XX.
Segundo um cronista da época, também 60 paróquias da diocese dinamarquesa de Slesvig foram “engolidas pelo mar salgado”. A avaliar pelos arquivos históricos e registos climáticos, pensa-se que este evento de dimensões catastróficas tenha ocorrido a 16 de janeiro de 1362, tendo causado um mínimo de 25.000 mortes. Possivelmente até podem ter sido mais, mas não há estimativas precisas.
A tempestuosidade crescente e os fortes ventos do século XIV deram origem a grandes dunas distribuídas pela atual costa holandesa. O porto de Amesterdão, já na altura um entreposto comercial importante, revelava problemas contínuos com o assoreamento causado pelos ventos fortes que empurravam a areia de uma duna próxima da sua entrada.
Grote Mandrenke, também conhecida por Segunda Inundação de São Marcelo
16 de Janeiro é o dia da festa de São Marcelo (Papa Marcelo I), daí que esta terrível tempestade também seja designada como a "Segunda Inundação de São Marcelo". A "Primeira Inundação de São Marcelo" que afogou 36.000 homens principalmente na Frísia Ocidental e Groningen, hoje províncias no norte dos Países Baixos, ocorreu no mesmo dia: 16 de janeiro de 1219.