Investigadores portugueses usam Inteligência Artificial para acelerar o tratamento de demências, cancro ou infeções

A ferramenta desenvolvida por investigadores do ITQB NOVA analisa imagens biomédicas 100 vezes mais rápido do que os métodos convencionais. A abordagem poderá acelerar significativamente a descoberta de novos fármacos e terapêuticas inovadoras.

Paciente faz uma TAC
A ferramenta dos investigadores portugueses poderá acelerar a análise de imagens médicas, facilitando o diagnóstico e tratamento de doenças como o cancro e a doença de Alzheimer. Foto: Pixabay

A Inteligência Artificial tem vindo a transformar inúmeras dimensões do nosso quotidiano, desde a gestão do trânsito nas cidades, até ao combate das alterações climáticas, passando pela manutenção preditiva de falhas em máquinas industriais. A investigação médica também está a beneficiar com esta tecnologia emergente, sobretudo no diagnóstico e tratamento de doenças que podem vir a ser acelerados.

Os investigadores do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB NOVA), em Oeiras, aproveitaram por isso as potencialidades da Inteligência Artificial para desenvolver uma nova ferramenta que promete encurtar significativamente o tempo para identificar os tratamentos mais eficazes para doenças como cancro, demências ou infeções.

NanoPyx é o dispositivo que os investigadores desenvolveram, usando o machine learning para ultrapassar as limitações dos algoritmos tradicionais de processamento de imagens biomédicas. A sua capacidade de análise revelou ser 100 vezes mais rápida e precisa do que os métodos convencionais.

O grande salto desta inovação está na sua aptidão para substituir os conjuntos de regras fixas por diferentes abordagens ajustadas para cada circunstância. Significa isto que a ferramenta é capaz de aprender e se adaptar, selecionando as melhores respostas para resolver casos específicos.

Uma ferramenta inteligente como um chef de cozinha

O processo está descrito no artigo recentemente publicado na revista científica Nature Methods, mas, em termos simples, o modo como o NanoPyx opera poderia ser comparado ao trabalho de um chef de cozinha.

Em vez de se guiar por uma única receita para cada refeição, o cozinheiro procura e seleciona as melhores abordagens ajustadas a cada um dos ingredientes, aplicando-as de forma inteligente consoante as situações com que se vai deparando.

“Com esta ferramenta, podemos reduzir o tempo de processamento de horas para minutos, ou mesmo segundos”.

Bruno M. Saraiva, investigador do ITQB NOVA e coprimeiro autor do artigo.

As aplicações do NanoPyx podem ir dos diagnósticos médicos à medicina personalizada, abreviando a análise de biópsias e imagens cerebrais para permitir resultados mais rápidos e eficazes. Acima de tudo, o que se espera é um grande salto qualitativo em investigações mais céleres e em estratégias mais precisas de tratamento para doenças oncológicas ou neurológicas, por exemplo.

imagem de microscopia
Reprodução de uma imagem de microscopia, que utilizou a ferramenta NanoPyx para obter previsões computacionais de super-resolução. Foto: ITQB Nova, in Nature Methods.

As valências da ferramenta podem ser ainda mais vastas, estendendo-se também à investigação académica. Segundo os autores do estudo, as potenciais aplicações na descoberta de medicamentos são igualmente promissoras.

O NanoPyx, ao agilizar a análise de imagens de microscopia para identificar candidatos a fármacos, aumenta as probabilidades de encontrar novos tratamentos em prazos mais curtos.

"O NanoPyx é um marco na análise de dados biológicos complexos, com potencial para grandes avanços na investigação médica e estratégias terapêuticas".

Inês Cunha, investigadora da Universidade de Estocolmo e coautora do estudo.

A tecnologia, segundo os autores do estudo, poderá dar origem a uma nova geração de microscópios capazes de realizar análises em tempo real.

Uma nova era para microscopia inteligente

Ricardo Henriques, investigador do laboratório de Biologia e Ótica Orientada por IA do ITQB NOVA, explica, no comunicado da Universidade Nova, que esta inovação permitirá observar interações virais de forma precisa, adaptando-se automaticamente ao objeto de estudo.

Investigador observa vírus no microscópio
Este avanço desenvolvido pelos investigadores do ITQB Nova irá permitir uma melhor compreensão da vida à escala microscópica. Foto: Tumisu/ Pixabay

O NanoPyx poderia, como tal, realizar análises complexas de imagens captadas em tempo real, respondendo dinamicamente à amostra. Para descodificar o processo, o investigador exemplifica como este mecanismo se aplica ao estudo sobre a evolução de uma infeção viral.

Atualmente, para observar como os vírus entram e se replicam no interior das células hospedeiras, é preciso captar imagens microscópicas em velocidade reduzida (time-lapse) ao longo de várias horas. São necessárias ainda muitas mais horas ou dias para processar as imagens em alta resolução e extrair dados quantitativos.

Com as capacidades de "microscopia inteligente" do NanoPyx, no entanto, vai ser possível conduzir imagens de super-resolução e analisar partículas virais à medida que a infeção progride. Esta funcionalidade em tempo real garante que o sistema de imagens se ajusta aos eventos em curso, permitindo a captura precisa destas interações.

O estudo, conduzido pelo laboratório de Biologia Celular Bacteriana e Biologia de Infeção Microbiana Intracelular do ITQB NOVA, contou com colaboração de várias instituições, incluindo a Universidade de Estocolmo, na Suécia, o Cluster de Excelência DFG “Physics of Life”, em Dresden (Alemanha), a Universidade de Turku, na Finlândia, entre outros centros de investigação.

Referência do artigo

Bruno M. Saraiva, Inês Cunha, António D. Brito, Gautier Follain, Raquel Portela, Robert Haase, Pedro M. Pereira, Guillaume Jacquemet & Ricardo Henriques. “Efficiently accelerated bioimage analysis with NanoPyx, a Liquid Engine-powered Python framework”. Nature Methods