Investigadores de Aveiro inspiram-se nos buracos negros para revolucionar o tratamento do cancro

O método, inspirado nas leis da astrofísica, apresentou resultados promissores. Os cientistas acreditam que a abordagem pode emergir como um “paradigma disruptivo”, abrindo caminho a novas investigações com “elevados impactos” para clínicos e pacientes.

Buraco Negro
Inspirado nos fenómenos da natureza, o modelo dos cientistas portugueses procura desenvolver tratamentos contra o cancro capazes de aumentar o efeito dos fármacos em uso clínico. Foto: Pixabay

Os tratamentos oncológicos que recorrem à quimioterapia estão, há várias décadas, entre as principais terapias para combater o cancro. A sua aplicação, todavia, apresenta ainda muitas limitações, como resultados reduzidos e efeitos colaterais significativos.

Os investigadores da Universidade de Aveiro estão a trabalhar para melhorar este tratamento e acreditam que o seu novo método pode vir a significar um marco no combate às doenças oncológicas. Recorrendo aos padrões gravitacionais dos buracos negros, os cientistas desenvolveram uma abordagem inovadora para otimizar o planeamento terapêutico por quimioterapia.

Inspirado nas leis da natureza, o procedimento procura implementar tratamentos personalizados capazes de aumentar o efeito dos fármacos em uso clínico.

O estudo, publicado na revista científica internacional Computers in Biology and Medicine, baseia-se num controlo das células doentes, onde as massas tumorais são capturadas e submetidas a dinâmicas de atração que levam à sua remissão.

Procurando ultrapassar as deficiências nos tratamentos atuais de quimioterapia, a equipa da Universidade de Aveiro estudou alternativas terapêuticas personalizadas às características de cada paciente.

As etapas da investigação pioneira

A nova metodologia seguiu várias etapas até começar a produzir os primeiros resultados. Numa primeira fase, os investigadores desenvolveram um algoritmo de controlo pioneiro, inspirado na termodinâmica dos buracos negros.

A investigação focou-se, na etapa seguinte, nas potencialidades deste algoritmo para otimizar as terapias, procurando-se sobretudo alcançar a remissão do volume do tumor ou, em alternativa, a sua conversão em doença crónica.

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Para otimizar os tratamentos por quimioterapia, os investigadores recorreram à termodinâmica dos buracos negros para capturar as células doentes. Imagem: Universidade de Aveiro

No último estádio da investigação, vários fármacos foram utilizados com o intuito de avaliar a evolução do tumor. O seu progresso foi monitorizado através de diversos testes de simulação e modelos matemáticos de desenvolvimento tumoral.

Os resultados obtidos nesta investigação multidisciplinar destacaram, desde logo, a capacidade do novo algoritmo para realizar tratamentos personalizados de quimioterapia ajustados à evolução do tumor.

Segundo a equipa de investigadores, o modelo, suportado nas leis da astrofísica, não somente conseguiu responder adequadamente ao comportamento imprevisível da massa tumoral, como se mostrou também apto para reagir à resistência do tumor à quimioterapia.

Paradigma disruptivo para pacientes e médicos

As descobertas forneceram, como tal, “evidências de que a terapia do cancro inspirada em eventos encontrados em buracos negros pode emergir como um paradigma disruptivo”, concluem os autores do estudo intitulado “Next-generation chemotherapy treatments based on black hole algorithms: From cancer remission to chronic disease management”.

O trabalho conduzido na Universidade de Aveiro pode, por isso, abrir caminhos alternativos de investigação com “elevados impactos” para clínicos e pacientes oncológicos, defendem os investigadores.

Há agora um novo capítulo que pode vir a ser explorado, através sinergias entre algoritmos de controlo, baseados em fenómenos da astrofísica, e Inteligência Artificial aplicada às avançadas terapias personalizadas do cancro.

O estudo é apenas uma versão preliminar que os autores pretendem aprofundar nos próximos meses. Com o objetivo de gerar mais resultados para pacientes e médicos, estes novos modelos de planeamento terapêutico foram submetidos a vários projetos científicos nacionais e internacionais, nomeadamente o Projetos em todos os Domínios Científicos, da Fundação Para a Ciência e Tecnologia, e a CaixaResearch Health Call 2024, da Fundação la Caixa.

equipa de investigadores da Universidade de Aveiro
Uma equipa multidisciplinar de diferentes centros de investigação da Universidade de Aveiro participou neste estudo pioneiro a nível mundial. Foto: Universidade de Aveiro

A equipa de Aveiro vai contar ainda com a parceria de investigadores da Universidade de Coimbra que se irão juntar a este projeto para facilitar a obtenção de financiamento destinado à validação pré-clínica. O intuito desta fase, em particular, é verificar se a abordagem laboratorial tem potencial para tratar o cancro nos humanos.

O estudo contou com a participação dos investigadores Marco Santos e Gil Gonçalves do Centro de Tecnologia Mecânica e Automação (TEMA), Delfim Torres e Carlos Herdeiro do Centro de Investigação e Desenvolvimento em Matemática e Aplicações (CIDMA), assim como do estudante de doutoramento Rodrigo Bernardo.

Referência do artigo

Santos, M., Gonçalves, G. Torres, D., Bernardo, R. et al. Next-generation chemotherapy treatments based on black hole algorithms: From cancer remission to chronic disease management. Computers in Biology and Medicine (2024).