Governos planeiam produzir o dobro de combustíveis fósseis até 2030 do que o limite de 1,5 ºC permite
Agência ambiental da Organização das Nações Unidas alerta que produção de combustíveis fósseis está 110% acima dos limites recomendados até 2030, fazendo perigar uma justa e necessária transição energética. Veja os pormenores aqui!
O Programa das Nações Unidas para o Ambiente (UNEP) revelou recentemente que os governos nacionais planeiam produzir cerca de 110% a mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria compatível com a limitação do aquecimento a 1,5 ºC, e 69% a mais do que seria compatível com 2ºC.
Estas conclusões resultam de um relatório produzido pelo Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), a organização não governamental Climate Analytics, o grupo de refelxão E3G, o Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD) e o UNEP, que comparou a produção planeada e prevista de carvão, petróleo e gás dos países com metas globais estabelecidas no Acordo de Paris.
Esta projeção acontece pois, apesar de 151 governos nacionais se terem comprometido a atingir emissões líquidas zero, as últimas previsões sugerem que a procura global de combustíveis fósseis venha a atingir o pico nesta década.
O estudo avaliou detalhadamente os 20 países com maior produção de combustíveis fósseis: Alemanha, Arábia Saudita, Austrália, Brasil, Canadá, China, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Estados Unidos da América, Rússia, Índia, Indonésia, Cazaquistão, Kuwait, México, Nigéria, Noruega, Catar, Reino Unido e África do Sul.
Concluiu-se que a maior parte destes continua a fornecer apoio político e financeiro significativo à produção de petróleo, carvão e gás.
Embora 17 destes 20 países apresentados se tenham comprometido a atingir emissões líquidas nulas e muitos tenham lançado iniciativas para reduzir as emissões das atividades de produção de combustíveis fósseis, nenhum deles se comprometeu a reduzir a produção de carvão, petróleo e gás, para cumprir os objetivos climáticos.
Quando combinados, os planos governamentais levariam a um aumento na produção global de carvão até 2030 e na produção global de petróleo e gás até pelo menos 2050, criando uma fossa cada vez maior na produção de combustíveis fósseis ao longo do tempo.
Uma transição justa em tempos obscuros
O mês de julho de 2023 foi o mais quente alguma vez registado, e muito provavelmente o mais quente dos últimos 120 mil anos, segundo a ciência. Estima-se que o mesmo tenha acontecido com o mês setembro deste ano.
Em todo o mundo, ondas de calor mortais, secas, incêndios florestais, tempestades e inundações estão a ceifar vidas e fazer perigar meios de subsistência, deixando claro que a crise climática está bem presente.
As emissões globais de dióxido de carbono, quase 90% das quais provenientes de combustíveis fósseis, aumentaram para níveis recordes em 2021-2022.
Apesar de serem a causa profunda da crise climática, os combustíveis fósseis permaneceram, em grande parte, ausentes das negociações internacionais sobre o clima até aos últimos anos.
Na COP26, no final de 2021, os governos comprometeram-se a acelerar os esforços no sentido da “redução progressiva da energia do carvão gerada sem medidas de mitigação e da eliminação progressiva dos subsídios ineficientes aos combustíveis fósseis”, embora não tenham concordado em abordar a produção de todos os combustíveis fósseis.
Neste contexto, Michael Lazarus, diretor do SEI nos Estados Unidos da América, afirmou que “a COP28 pode ser o momento crucial em que os governos finalmente se comprometem a eliminar gradualmente todos os combustíveis fósseis e reconhecem o papel que devem desempenhar os produtores para uma transição gerida e equitativa".
Existe, pois, uma forte necessidade dos governos adotarem metas de redução de curto e longo prazo para a produção e uso de combustíveis fósseis, por forma a complementá-las com outras metas de mitigação climática e reduzir o risco tornar alguns ativos irrecuperáveis.
Para a equipa que elaborou o estudo, os países devem ter como objetivo uma eliminação quase total da produção e utilização de carvão até 2040 e uma redução na produção e uso de petróleo e gás de, no mínimo, três quartos até 2050, em relação aos níveis de 2020.
O documento sublinha ainda que a “transição energética equitativa” que é necessária deve “reconhecer as diferentes responsabilidades e capacidades dos países”. Quer isto dizer que, países com maior capacidade de transição devem procurar reduções mais ambiciosas e ajudar a financiar os processos de transição em países com capacidades limitadas.
“Os governos com maior capacidade para abandonar a produção de combustíveis fósseis têm a maior responsabilidade em fazê-lo, ao mesmo tempo que fornecem financiamento e apoio para ajudar outros países a fazerem o mesmo”, acrescentou Michael Lazarus.