Gorongosa, a 'fénix' dos Parques Naturais
Todo o destino turístico está dependente não só do seu intrínseco valor natural, mas também de aspetos socioeconómicos. Aqui contamos-lhe a grandiosidade natural, mas também a vulnerabilidade decorrente dos impactes antrópicos do Parque Nacional da Gorongosa! Viajamos até lá?
É ancestral a disputa de domínio entre a natureza e o Homem, acompanhada de um certo desejo onírico de harmonia entre ambos. Uma dicotomia representada, pela essência que a brutalidade da selva personifica enquanto desafio à capacidade do Homem de dominar o mundo, por oposição ao deslumbramento intrínseco à beleza da natureza como modelo sublime de perfeição.
A paisagem, particularmente no seu estado imaculadamente natural, transmite um sentido de equilíbrio desde sempre almejado pelo Homem. Num mundo cada vez mais humanizado, dominado por uma cultura globalizante influenciadora dos lugares mais remotos, cresce a necessidade de privar com um mundo menos intervencionado, fruir da natureza como se duma obra de arte se tratasse.
Na imensidão do pequeno planeta Terra, galopantemente vão escasseando redutos do mundo natural. Face a toda uma série de transformações políticas e sociais, urge a necessidade de convergir esforços no sentido de harmonizar a relação Homem-ambiente, proteger e conservar o meio. Projetos verdadeiramente construtivos em prol da preservação de ecossistemas começam a implementar-se em alguns locais do planeta, envolvendo as comunidades locais, indígenas, povos cuja vivência é intimamente conjugada com a utilização de recursos naturais. Alude-se particularmente um projeto que combina a recuperação de um ecossistema e o desenvolvimento humano, assente em premissas que primam pelo envolvimento das comunidades locais na proteção territorial, em coexistência com o turismo.
Falamos da Gorongosa
Oficialmente criado como Parque Nacional em 1960, a Gorongosa representa um dos locais de maior diversidade do planeta. Esta valência não impediu que durante a guerra civil que assolou Moçambique, o parque da Gorongosa tivesse sido dizimado, encontrando-se completamente abandonado em meados da década de 80, com mais de 90% da vida selvagem perdida. Porém, em finais da década de 90 começaram a ser encetados esforços para restaurar o Parque, tendo sido assinado, somente em 2008, um protocolo de cooperação entre instituição governamental e a Carr Foundation, visando a profícua reabilitação do Parque.
Datam de meados do ano 300.000 aC, os registos arqueológicos dos primeiros hominídeos na Gorongosa, região refúgio durante as fases secas do período Plistoceno (terminado há ≈ 11.700 anos). Recentemente, em meados de 1820, um poderoso estado fundado num vale na margem direita do rio Zambeze, por linhagens luso-afro-indianas, resistia fervorosamente à ocupação colonialista portuguesa. Defendiam uma exuberante fauna que adorna toda uma paisagem dominada pelo vale cavado do rift, perturbada pela proeminente Serra da Gorongosa, ponto alto da bacia hidrográfica drenada centrípetamente para o lago Urema.
É a conjugação de dois fatores, altitude e localização, que propiciam a criação de um clima singular, tropical chuvoso na savana e temperado húmido na montanha, alicerçando assim uma extraordinária abundância de vida e grande diversidade ecológica. No término do Grande Vale do Rift Africano, do alto dos seus 1863 m, a Serra da Gorongosa capta a humidade gerada no oceano Índico, transformando-a em chuva, com volume pluviométrico anual de 1240 mm, potenciando a formação de enormes fluxos de água, rios e lagos, cuja grandeza oscila conforme a estação do ano, sendo epíteta de mágica por sustentar uma floresta tropical no seu cume, e irrigar todo o território que a rodeia.
Apesar de grandiosa, a Gorongosa é extremamente vulnerável
Não obstante ser identificada pela população nativa como lugar mágico, a Gorongosa é motivo de preocupação. Um território à mercê de riscos incompatíveis com a preservação do equilíbrio ambiental e conservação da biodiversidade, uma vez que, associada à problemática mundial dos incêndios florestais, é objeto de atividades nefastas como a caça furtiva e a desflorestação, com o abate de árvores para a produção de carvão, utilizado como fonte de energia pelos locais.
No séc. XX considerada como a “Pérola de África”, popular destino procurado por celebridades como John Wayne (ator) ou James Lovell (astronauta), a Gorongosa representava um local de excelência, o mais belo santuário de vida animal acessível aos olhos da civilização. Apontada como um dos “últimos paraísos na terra”, a Gorongosa vivencia desde 2008, a implementação de um projeto filantropo em cooperação com o Estado, com vista à sua recuperação e conservação, restauração da fauna e flora, estimulando o desenvolvimento económico, numa valência de envolvimento cooperativo da comunidade, com vista a propiciar igualmente bem-estar a cerca de 175 mil pessoas que vivem em torno da reserva natural.
Atualmente, Gorongosa é mais uma vez um dos maiores ecossistemas do planeta, ocupando mais 4 mil Km2. O projeto liderado por Greg Carr, é manifestamente abrangente articulando harmoniosamente o ambiente, o Homem, e a defesa de vida selvagem. Se por um lado funciona como uma espécie de motor de desenvolvimento humano, oferecendo orientação em termos de cuidados básicos com a saúde e direitos humanos, assistência médica a mais de 100 mil pessoas, e educação a jovens meninas para que continuem a estudar longe de casamento e gravidez infantis e orientação em termo de cuidados básicos com a saúde e direitos humanos. Visa igualmente, munir os agricultores, cerca de 4 mil famílias, de rendimentos, através de boas práticas agrícolas, protegendo o solo e a floresta, contribuindo assim para a manutenção do ciclo hidrológico, do equilíbrio do ecossistema, e por inerência da bioesfera!