Estudo revela que os vírus fósseis incorporados no genoma humano estão ligados a perturbações psiquiátricas
Fragmentos de ADN antigos são encriptados no genoma humano moderno. Isto ativa alguns genes que estão ligados a distúrbios psiquiátricos como a doença bipolar, a depressão e a esquizofrenia.
O ADN viral antigo, a que alguns especialistas chamam vírus fósseis, incorporado no genoma humano, pode aumentar a suscetibilidade de algumas pessoas a doenças neuropsiquiátricas como a depressão, a doença bipolar e a esquizofrenia. Um estudo publicado em maio passado na revista Nature Communications centra a atenção nos retrovírus endógenos humanos (HERV), fragmentos de ADN que constituem cerca de 8% do genoma humano moderno.
As perturbações psiquiátricas tendem a ser familiares, como refere o Live Science, e os estudos com gémeos também sugeriram que a genética desempenha um papel no seu desenvolvimento. Estima-se que a esquizofrenia e a perturbação bipolar possam ter uma hereditariedade de até 80%, o que significa que a maior parte da variabilidade observada nestas perturbações se deve a diferenças genéticas.
Até à data, versões específicas de alguns genes, ou variantes genéticas, têm sido associadas a estas perturbações, mas não se sabe muito sobre a influência dos HERVs. Em particular, os HERVs são elementos repetitivos previamente implicados em condições psiquiátricas importantes, mas o seu papel na etiologia permanece pouco claro. Esta investigação utilizou a sequenciação de ARN e dados genéticos de 792 amostras de cérebros post-mortem.
Sequências genéticas com mais de 1 milhão de anos
O coautor do estudo, Timothy Powell, neurocientista e geneticista molecular do King's College de Londres, disse ao Live Science que “ficámos fascinados com a ideia de que os HERV existiam no genoma humano e que não se sabia muito sobre eles”. Os HERVs foram integrados no genoma humano ao longo da evolução, tendo os exemplos mais antigos sido introduzidos nos nossos antepassados há mais de 1,2 milhões de anos.
Atualmente, sabe-se que alguns HERVs estão ativos em células cancerígenas e podem contribuir para a doença; outros estão ativos em tecidos saudáveis ou desempenham um papel importante no desenvolvimento inicial, pelo que não são necessariamente todos maus. Alguns HERVs estão mesmo ativos no cérebro, mas ainda não se sabe ao certo o que fazem nesse cérebro.
Até agora, o papel dos HERVs nas doenças psiquiátricas tem sido estudado através da comparação do material genético de indivíduos sem essas doenças com o de pessoas afetadas por uma determinada doença. No entanto, um dos problemas deste método é que não tem em conta a influência de fatores ambientais ou de outras condições que uma pessoa possa ter. Por conseguinte, é difícil dizer com certeza que um determinado segmento de ADN, isoladamente, está intimamente relacionado com a doença.
A biologia de algumas perturbações psiquiátricas
Agora, este novo estudo utilizou uma abordagem diferente para avaliar os efeitos de milhares de HERVs. Os investigadores acederam a dados genéticos de estudos anteriores que envolveram dezenas de milhares de pessoas, bem como a amostras de tecido cerebral post-mortem recolhidas de cerca de 800 pacientes com e sem as perturbações psiquiátricas que mencionámos anteriormente. Em seguida, estudaram as variantes genéticas que os diferentes indivíduos possuíam, verificando se estas pareciam afetar os HERVs próximos.
Descobriram que determinadas variantes genéticas estavam associadas a um risco acrescido de três perturbações psiquiátricas: esquizofrenia, depressão e perturbação bipolar. Estas variantes também afetavam se e em que grau os HERVs no cérebro estavam “ligados”. Rodrigo Duarte, investigador do King's College de Londres, disse ao Live Science que “esta associação dá-nos muito mais certezas de que as diferenças genéticas que observámos entre casos e controlos são mais provavelmente um verdadeiro reflexo da biologia da doença”.
A equipa de investigação é a primeira a identificar cinco novos HERVs estreitamente relacionados com perturbações psiquiátricas. Dois estavam associados à esquizofrenia, um era comum à esquizofrenia e à doença bipolar e um era específico da doença depressiva. Estes cinco HERVs são diferentes dos anteriormente associados a cada uma destas doenças. No entanto, o facto de ser portador de um dos HERVs não garante necessariamente que uma pessoa venha a desenvolver a doença associada.
Referência da notícia:Duarte, R.R.R., Pain, O., Bendall, M.L. et al. Integrating human endogenous retroviruses into transcriptome-wide association studies highlights novel risk factors for major psychiatric conditions. Nature Communications (2024).