Estudo avalia o impacto psicológico dos incêndios rurais recorrendo a redes sociais
Investigação realizada aos efeitos dos incêndios ocorridos no Sudeste Asiático em 2019 mostra como o fumo provocado por estes afeta o humor das pessoas. Conheça aqui os pormenores deste estudo.
Embora exista um número crescente de estudos que versam sobre os impactos socioeconómicos e na saúde causados pela poluição atmosférica provocada por incêndios florestais (doravante denominados de incêndios rurais), os efeitos no bem-estar subjetivo dos indivíduos permanece, ainda, pouco estudado.
Desta forma, um recente trabalho publicado no Journal of Environmental Economics and Management vem tentar preencher esta lacuna, ligando as flutuações emocionais dos indivíduos, em tempo real, com o fumo dos incêndios.
O estudo, que mede o sentimento através da análise de grandes quantidades de dados das redes sociais (em particular do Twitter, agora denominado de X), ajuda a mostrar o impacto psicológico dos incêndios rurais, que resultam numa poluição atmosférica substancial, numa altura em que estes fenómenos se estão a tornar um marco de destaque das alterações climáticas.
O estudo analisou especificamente o impacto dos graves incêndios rurais que devastaram o Sudeste Asiático no ano de 2019. Nesse ano, estes eventos devastadores calcinaram praticamente 1,6 milhões de hectares de terras e produziram fumo e poluentes atmosféricos que afetaram vários países desta região do globo.
Uma análise em larga escala a postagens de sete países
Para conduzir o estudo, o grupo de investigadores produziu uma análise em larga escala das postagens de 2019 no X, por forma a obter uma amostra do sentimento público. O estudo envolveu 1.270.927 tweets de 378.300 utilizadores que concordaram em ter as suas localizações disponibilizadas e que se distribuíam por sete países, Brunei, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietname.
Os investigadores compilaram os dados com recurso a um algoritmo multilíngue de processamento de linguagem natural, que analisou o conteúdo dos tweets e os classificou em termos afetivos, tendo em consideração o vocabulário utilizado.
Também foram utilizados dados de satélite da NASA (National Aeronautics and Space Administration) e da NOAA (National Oceanic and Atmospheric Administration) para criar um mapa de incêndios rurais e de nuvens de fumo ao longo do tempo, vinculando-os aos dados das redes sociais.
Rui Du, professor assistente de economia na Spears School of Business e coautor do estudo
A utilização deste método apresenta uma vantagem que as sondagens regulares de opinião pública não têm: mede em tempo real, em vez de fazer uma avaliação posterior aos factos.
Também as mudanças substanciais verificadas na intensidade e direção do vento na região, em 2019, permitiram concluir que países estavam expostos a mais fumo em vários pontos, tornando os resultados menos suscetíveis de serem influenciados por outros fatores.
O estudo, então, conclui que o impacto da “névoa do Sudeste Asiático” no sentimento das pessoas é semelhante à mudança de humor frequentemente experimentada de domingo para segunda-feira, que normalmente reflete a ansiedade e a tristeza que as pessoas sentem no final do fim de semana, quando uma nova semana de trabalho está à porta.
Para robustecer a certeza destas conclusões, os investigadores adicionaram um fator extra: a pandemia de COIVID-19.
Rui Du, coautor do estudo.
O grupo de trabalho fez questão de separar a mudança de sentimento devida ao fumo dos incêndios rurais e as que se devessem a outros fatores. Afinal, as pessoas vivenciam mudanças de humor em poucos segundos, devido a diversos eventos naturais e socioeconómicos. Os incêndios podem estar correlacionados com alguns destes, o que torna difícil desvendar o efeito singular do fumo.
Ao comparar apenas a diferença na exposição ao fumo, nos mesmos locais ao longo do tempo, este estudo é capaz de isolar o impacto da neblina local do incêndio rural no humor, filtrando as influências que não constituam poluição atmosférica.
Diferenças claras entre o fumo "dentro de casa" ou do proveniente de países vizinhos
O estudo também revelou que as pessoas que vivem perto das fronteiras internacionais têm muito mais probabilidade de ficarem perturbadas quando afetadas pelo fumo de um incêndio proveniente de um país vizinho. Quando condições semelhantes surgem no seu próprio país, a reação é consideravelmente mais discreta.
Assim, as implicações globais da poluição transfronteiriça causadas pelo fumo poderiam dar aos países um incentivo partilhado para continuarem a cooperar, defendem os autores.
Referência da notícia:
Du, R., Mino, A., Wang, J., Zheng, S. (2024). Transboundary vegetation fire smoke and expressed sentiment: Evidence from Twitter. Transboundary vegetation fire smoke and expressed sentiment: Evidence from Twitter, Volume 124.