Encha os pulmões de ar puro e aproveite, já agora, para inalar nutrientes e vitaminas
A ciência, focada na poluição atmosférica, não presta a devida atenção aos benefícios da brisa fresca que a Natureza oferece. Um estudo de investigadores australianos mostrou finalmente o que sempre esteve diante do nosso nariz: o ar é rico em substâncias benéficas absorvidas pelo organismo. Descubra o que pode esta revelação fazer pela nossa saúde.
Sempre desconfiámos que o ar puro das montanhas, do mar ou das florestas é um bálsamo que os pulmões, ávidos de ambientes livres de poluição, precisam para evitar ou combater as doenças respiratórias. O que, no entanto, pode vir a ser uma verdadeira revelação são os nutrientes que contém e que pensávamos obter unicamente através da alimentação.
A conclusão surge após uma análise cuidadosa da literatura científica produzida desde o início do século passado. O estudo, conduzido por investigadores australianos, mostrou fortes evidências de que os humanos também absorvem alguns nutrientes da atmosfera.
O trabalho foi recentemente publicado na revista Advances in Nutrition, podendo agora abrir caminho a investigações mais aprofundadas sobre os benefícios que poderão trazer para a nossa saúde.
Este é um novo campo por explorar e que os autores designam de aeronutrientes, distinguindo-o dos gastronutrientes, absorvidos pelo intestino. O iodo, o zinco, o manganés e algumas vitaminas são parte dos nutrientes essenciais que podem ser inalados no simples ato de inspirar.
A tese, embora pareça inédita, está, segundo os investigadores do Instituto de Tecnologia de Melbourne e da Universidade de Newcastle, suportada por dados já publicados. Um estudo da década de 1960, por exemplo, descobriu que os funcionários de uma lavandaria de Londres, expostos ao iodo presente no ar, tinham níveis mais elevados deste elemento no sangue.
Mais recentemente, em março de 2011, cientistas irlandeses concluíram que as crianças a viver perto de zonas costeiras ricas em algas marinhas, tinham significativamente mais iodo na urina do que aquelas a viverem em meios rurais e sob regimes alimentares semelhantes. São alguns dos exemplos citados neste trabalho e que sugerem que o iodo é transportado através do ar, podendo por isso complementar as dietas.
O nariz pode ainda sentir o cheiro do manganés e do zinco que, por essa via, entram no cérebro. O manganés, em particular, é um nutriente essencial que ajuda a fortalecer o sistema imunitário ou ainda a contribuir para a formação óssea ou para o metabolismo de aminoácidos, gorduras, carboidratos ou colesterol.
Em demasia, todavia, pode ser prejudicial para o cérebro, trazendo perturbações motoras, cognitivas ou mentais, como sugere a investigação de neurologistas americanos e chineses junto de soldadores da construção civil. Uma outra pesquisa, publicada há mais de 70 anos, revelou ainda que a B12 libertada em aerossol poderia ser uma alternativa para grupos com deficiência nesta vitamina, como é o caso dos idosos, dos diabéticos ou dos veganos.
Suplementos alimentares retirados da atmosfera
Estes e outros estudos, incluídos nesta revisão da literatura científica, sustentam a ideia defendida pelos autores de que os aeronutrientes podem vir a complementar a dieta humana. A informação é abundante, o que os leva a questionar também por que não foi até agora valorizada.
A resposta poderá estar no facto de grande parte da investigação sobre os efeitos do ar na saúde estar centrada na poluição. Até à data, a atenção dos cientistas esteve essencialmente orientada nas toxinas, partículas e alergénios como o pólen.
O foco tem sido as componentes presentes no ar que são prejudiciais, acabando por se negligenciar aquilo que poderia ser benéfico para a saúde. Quantidades ínfimas de nutriente inaladas de cada vez que respiramos contribuíram igualmente para não se ter dado a devida importância a esta via de investigação.
Mas os benefícios do ar puro sempre estiveram diante do nosso nariz. Inspiramos cerca de nove mil litros de ar por dia e 438 milhões de litros durante a vida, explicam os autores. Ao contrário de comer, não fazemos intervalos em que se suspende a respiração. A exposição aos componentes do ar, mesmo em concentrações muito pequenas, aumenta por isso com o tempo.
O oxigénio será, aliás, um bom exemplo de uma substância química essencial para o organismo executar as funções mais básicas, relembram os investigadores australianos. Não é, contudo, comum encará-lo como nutriente pelo simples facto de não o mastigarmos.
A anatomia do ar puro no corpo humano
Os aeronutrientes entram no organismo e são absorvidos através de redes de pequenos vasos sanguíneos no nariz, nos pulmões, no epitélio olfativo (a zona onde o cheiro é detetado) e na orofaringe (parte posterior da garganta). Os pulmões, inclusive, absorvem moléculas muito maiores do que o intestino – 260 vezes maiores, se quisermos usar o rigor científico. Estas substâncias são ingeridas intactas pela corrente sanguínea e pelo cérebro.
As drogas, como a cocaína, a nicotina ou os anestésicos entram no organismo em poucos segundos e são eficazes em concentrações muito mais baixas do que seriam necessárias se fossem consumidas por via oral.
O intestino, em contrapartida, decompõe as substâncias em partes mais pequenas com ajuda de enzimas e ácidos. Uma vez na corrente sanguínea, são metabolizadas e purificadas pelo fígado.
O intestino é muito competente a absorver amidos, açúcares e aminoácidos. Mas já não se pode dizer o mesmo quando lhe é pedido para assimilar certas classes de medicamentos.
Os cientistas, na verdade, esforçam-se todos os dias para aperfeiçoar os fármacos numa tentativa contínua de os tornar mais eficazes por via oral. Explorar o potencial dos aeronutrientes poderá, no entanto, ajudar a ciência a acelerar este caminho. Só que ainda há algum trabalho pela frente.
O contributo dos aeronutrientes na saúde
Para retirar os benefícios dos aeronutrientes, será preciso, antes de mais, descobrir quais os componentes do ar benéficos para a saúde. A seguir, os investigadores advertem que é ainda necessário determinar quais destes componentes podem ser classificados como aeronutrientes.
Resumindo e concluindo: falta estudar o impacto desses elementos em ensaios controlados para determinar a dose, a segurança e a sua contribuição para dietas equilibradas e casos particulares. Com o avançar da investigação, talvez seja possível vir a descobrir o seu contributo para combater algumas das doenças modernas.
Quem sabe, num futuro ainda por determinar, veremos os nutricionistas a recomendar a inalação de nutrientes retirados da atmosfera para complementar a alimentação. Está tudo em aberto e muitas incógnitas esperam ainda por respostas. Mas, independentemente de ainda se desconhecer os resultados, nada impede de gozarmos o puro e fresco ar do campo ou do mar. Aproveitemos que é de graça, como tudo, aliás, que a Natureza nos oferece.
Referência da notícia:
Fayet-Moore, Flávia e R. Robinson, Stephen. A breath of fresh air: Perspectives on inhaled nutrients and bacteria to improve human health. Advances in Nutricion (2024).