É doce e faz bem à saúde: assim é o açúcar que esta equipa portuguesa inventou

O método do ITQB NOVA pode abrir a porta ao uso de açúcares raros na indústria alimentar. Estamos a falar de compostos que, não só adoçam a boca, como previnem várias doenças.

Equipa do ITQB NOVA
Os investigadores André Taborda, Lígia Martins e Rita Ventura (da direita para esquerda) já patentearam a sua descoberta. Foto: ITBQ NOVA

Sabemos bem que o açúcar em excesso é terrível para a saúde. É um dos grandes males do nosso tempo, associado a dezenas de problemas como diabetes, obesidade, pressão alta, doenças cardiovasculares, gota, depressão, entre muitos outros malefícios.

A sacarose extraída de várias plantas, como a cana-sacarina e a beterraba, são refinadas industrialmente, resultando em açúcar branco, amarelo ou sintético (edulcorantes artificiais).

Esse é o açúcar comum e está por todo lado, no café e no bolo da manhã, nas sobremesas, nos snacks, nas pizas, nos refrigerantes, ou em algumas refeições congeladas.

É muito fácil exceder as recomendações máximas para o consumo de açúcar, definidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS): até 25 g (seis colheres de chá) por dia.

A riqueza do açúcar raro

Há, no entanto, dezenas de outros açucares que surpreendentemente até têm efeitos benéficos para a saúde. São chamados de açucares raros, onde estão incluídos compostos como a D-alose, a D-alulose, a D-tagatose, a D-lixose ou a L-xilulose, só para citar alguns exemplos.

Para ficarmos com uma ideia, a D-alose encontrada em folhas do arbusto africano Protea rubropilosa, não contribui para a ingestão calórica e tem potentes efeitos anticancerígenos e antitumorais. Possui ainda propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias, anti-hipertensiva e imunossupressora.

A D-tagatose, comercialmente conhecida por natulose, está presente em pequenas quantidades de produtos lácteos e não é digerida pelo organismo, razão pela qual a OMS a reconhece como substância segura. Por ser metabolizada de forma diferente da sacarose, tem um efeito mínimo sobre a glicemia e insulina.

Açucar branco
Os açúcares raros são difíceis de encontrar na natureza e de reproduzir em laboratório. A imagem ilustra as estruturas da glucose, da frutose e da alulose (D-psicose).

A D-alulose, por seu turno, é encontrada em quantidades ínfimas em alimentos como figos, trigo ou passas de uva. É baixo em calorias, não aumenta os níveis de glicose no sangue nem tão pouco se presta como alimento para as bactérias causadoras das cáries.

Saudáveis, mas inacessíveis

São excelentes alternativas na nossa cozinha e substitutos saudáveis para adoçar uma vasta gama de produtos disponíveis comercialmente. Se são assim tão incríveis, resta saber por que não se tornaram ainda na opção mais utilizada na alimentação

Como a sua própria categoria indica, são extremamente raros na natureza e difíceis de reproduzir em laboratório.

A sua extração a partir de plantas e de outras fontes tem sido desafiante e com elevados custos de produção. Está por isso explicada a razão para as dificuldades de os açúcares raros se imporem no mercado.

Método revolucionário

Um grupo de cientistas do Instituto de Tecnologia Química e Biológica António Xavier (ITQB NOVA), no entanto, debruçou-se sobre este desafio e apresenta-nos agora um inovador método para sintetizar estes açúcares em laboratório de forma mais eficiente e com baixos custos.

Utilizando uma combinação de intervenções enzimáticas e químicas, a abordagem está descrita na revista Green Chemistry como um método sustentável e amigo do ambiente para produzir a D-alose, um açúcar raro com inúmeros benefícios para a saúde e que pode ser usado para adoçar um conjunto de alimentos e bebidas, sem contribuir para a ingestão calórica.

Figos
O açúcar raro, conhecido como D-alulose está presente em pequenas quantidades em alimentos como o figo. Foto: StockSnap/Pixabay

André Taborda, Márcia Rénio, Rita Ventura e Lígia Martins, do ITQB NOVA, são o rosto da investigação que desenvolveu um novo método para melhorar uma enzima bacteriana e torná-la mais eficiente a processar um açúcar comum, a D-glucose. Para alcançar este resultado, recorreram a um processo designado de “evolução dirigida”, que acelera a seleção natural em laboratório.

Na sua essência, a técnica consiste em introduzir alterações aleatórias no código genético da enzima e testar a sua eficácia em cada variante do processamento do açúcar. São depois selecionadas as melhores versões. O processo é repetido várias vezes até se chegar ao modelo desejado.

Ilustração ITQB NOVA
: Ilustração da técnica designada por “evolução dirigida”, que visa tornar uma enzima bacteriana mais eficiente a processar a D-glicose, um açúcar comum. Imagem: Joel Arruda / ITBQ NOVA

O procedimento, segundo os investigadores portugueses, tem a vantagem de utilizar como ponto de partida um derivado de glucose facilmente acessível. Além disso, implica somente dois passos químicos simples para finalizar a síntese da D-alose. Diante dos resultados, o ITQB NOVA já submeteu esta estratégia a uma patente.

A equipa de cientistas está convencida de que o composto alcançado em laboratório tem um potencial revolucionário. A capacidade de produzir D-alose de forma eficiente e a custos mais baixos pode levar a sua aplicação numa vasta gama de produtos alimentares. Mas o potencial desta descoberta é ainda mais abrangente, uma vez que abre possibilidades para sintetizar outros açúcares raros de uma forma acessível e com baixo impacto ambiental.

Referência do artigo

André Taborda, Márcia Rénio, M. Rita Ventura & Lígia O. Martins. A new chemo-enzymatic approach to synthesize rare sugars using an engineered glycoside-3-oxidase. Green Chemistry.