Doença super mortífera está a reaparecer no mundo, porquê?

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), uma doença que outrora foi bastante comum e letal, como durante o século XIX, está a ressurgir na sua forma mais mortífera. O que estará a desencadear isto? Saiba mais aqui!

cólera;
A OMS afirma que a cólera, uma doença bastante letal, está a ressurgir à escala mundial devido às mudanças no clima.

A cólera está a reaparecer na sua forma mais letal, realidade agravada pelas alterações climáticas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), que apela aos fabricantes de vacinas que aumentem a produção para colocar um travão nos casos.

Esta doença é, segundo a CUF, uma infeção do intestino delgado causada por uma bactéria (Vibrio Cholerae) que produz uma toxina que o estimula a segregar grandes quantidades de um líquido rico em sais e minerais, causando diarreias muito graves. É uma forma de diarreia infecciosa aguda que, se não for tratada, pode causar a morte em poucas horas.

Transmite-se através da ingestão de água, mariscos ou outros alimentos contaminados pelos excrementos de pessoas infetadas. Aparece, geralmente, em determinadas regiões da Ásia, Médio Oriente, África e América Latina, com os surtos a acontecerem nos meses de calor. Incidência é mais elevada entre crianças.

O que mudou nos últimos meses?

Segundo o diretor-geral da OMS, Dr. Tedros Adhanom Gebreyesus, nos primeiros nove meses de 2022, 27 países registaram surtos de cólera. Segundo ele, não só o número de surtos é cada vez mais maior, como também são cada vez mais fatais. De acordo com os dados da OMS, a taxa média de casos fatais deste ano, até agora, atinge um valor quase 3 vezes superior ao dos cinco anos que lhe antecederam.

"A cólera prospera na pobreza e no conflito, mas está agora a ser alimentada pelas alterações climáticas (...) Os eventos climáticos extremos, tais como inundações, ciclones e secas, reduzem ainda mais o acesso à água limpa e criam o ambiente ideal para a propagação da cólera", - afirmou Tedros numa conferência de imprensa em Genebra.

Nos últimos dois meses, mais de 10.000 casos suspeitos de cólera foram reportados na Síria. No Haiti, depois de três anos com zero casos, a capital Port-au-Prince comunicou, oficialmente, dois casos, para além de 20 outros suspeitos, e 7 mortes que estão a ser investigados noutras áreas. A OMS salienta que o número real de casos é bem capaz de ser consideravelmente superior.

Segundo o Dr. Philippe Barboza, epidemiologista da agência de saúde da ONU, não ocorreu nenhuma alteração considerável nos diversos aspetos que, em geral, lançam as bases para a reprodução da cólera, tais como os conflitos bélicos, crises humanitárias e pobreza.

cólera; doença; prevenção
Uma doença infecciosa como a cólera, pode ser prevenida com acesso a água limpa, saneamento e vacinação.

"O que mudou significativamente foi o impacto das alterações climáticas", lembrando que fenómenos meteorológicos de grandes dimensões, como ciclones e secas, afetaram vários países, acabando por impulsionar surtos para além daqueles que normalmente são observados.

A cólera pode matar numa questão de horas

A cólera pode matar em poucas horas, mas pode ser prevenida com vacinas e acesso a água limpa e saneamento. Todavia, com o número crescente de surtos, a oferta de vacinas não acompanha a procura, e Tedros exorta aos principais fabricantes mundiais de vacinas para o aumento da produção.

Entretanto, a UNICEF diz que 1,2 milhões de crianças em Port-au-Prince estão em risco de contrair cólera. "As famílias não conseguem comprar sabão para lavar as mãos, o lixo não é recolhido das ruas, os hospitais estão fechados ou incapazes de funcionar. Todos estes ingredientes transformaram o Haiti numa bomba relógio de cólera. Agora explodiu", disse o Representante da UNICEF no Haiti Bruno Maes.

Um olhar sobre a História: John Snow, o médico que descobriu como a cólera se espalhava

No século XIX, Londres (Reino Unido) era a principal cidade do mundo e, em meados deste século, estava, de novo, a registar um surto epidémico de cólera, responsável pela morte de parte da população (distrito de Soho, principalmente).

Em 1854, John Snow, médico epidemiologista, inconformado com a propagação da doença e com a explicação oficial dada pelas autoridades londrinas, defendia que a cólera, na verdade era ”causada pelo consumo de águas contaminadas com matérias fecais, ao comprovar que os casos se agrupavam nas zonas onde a água consumida estava contaminada com fezes”.

youtube video id=lNjrAXGRda4

Inicialmente, Snow foi completamente descredibilizado por outros cientistas e pelas autoridades sanitárias de Londres. A sua teoria “caiu totalmente por terra”. Pensava-se, na altura, que a transmissão da doença era aérea, através da respiração, por conta da péssima qualidade do ar de uma fuliginosa cidade de Londres, o coração da Revolução Industrial.

Querendo justificar a sua teoria, o médico epidemiologista concebeu um pensamento científico que viria a revolucionar a história da Ciência, sobretudo, em termos geográficos.

Para tal, cruzou um cada vez maior número de casos de cólera, e de mortes, aos quais acrescentou a localização dos principais locais de abastecimento de água, que mostravam os poços públicos de Londres. Snow sobrepôs esta informação num mapa de Soho.

Com este mapa, Snow pretendia perceber a distribuição espacial do número de mortes por cólera, e se havia correlação com a proximidade aos poços de água.

O que o médico queria perceber era a distribuição espacial do número de mortes provocadas pela cólera e verificar se existia uma correlação com a proximidade aos poços de água.

Apesar de não possuir formação em Cartografia, Snow conhecia, por experiência própria, a City de Londres, e, com a aplicação desta técnica inovadora de análise espacial, foi capaz de descobrir que o poço em Broad Street era a principal fonte de contaminação da população, porque se situava na área com mais casos comunicados de cólera.

Uma autêntica (r)evolução para a análise espacial e para a Geografia

Snow acabara de provar que a origem e propagação da doença estava intimamente relacionada a água contaminada que era consumida a partir dos principais poços da cidade. Para os Geógrafos e para a Geografia, este é considerado o primeiro acontecimento que utilizou a análise espacial para responder a um problema.