Desinformação: nova abordagem para o ensino das ciências
Novo ensaio científico aponta para novas abordagens para o ensino da ciência, com o objetivo de desencorajar a disseminação de desinformação que diariamente mina e descredibiliza o conhecimento científico. Veja os pormenores aqui!
Num tempo em que os modelos climáticos efetuam previsões cada vez mais precisas e preocupantes, cerca de 30% dos americanos não acreditam que as alterações climáticas já estão em curso. Enquanto o telescópio espacial James Webb observa o início do universo, dois em cada dez americanos ainda não estão convencidos de que a Terra é redonda.
E ao passo que as empresas farmacêuticas continuam a ajustar as vacinas para combater as variantes do COVID-19, cerca de 10% dos americanos ainda acreditam que as vacinas são realmente projetadas para inserir microchips nos nossos corpos.
Mesmo com o conhecimento consolidado de diversas disciplinas científicas, movimentos negacionistas ainda encontram campo fértil nas redes sociais, alimentando vastas e profundas redes de desinformação. As alterações climáticas e a polarização política são duas das questões sociopolíticas mais críticas do século XXI, onde as notícias falsas e o negacionismo proliferam.
Muitas dessas informações falsas tentam minar e descredibilizar o conhecimento científico, ou alternativamente, para esconder ideias nas armadilhas superficiais da ciência, e criar argumentos falaciosos, com o objetivo de corroer a confiança em descobertas científicas já bem estabelecidas.
A desinformação constitui então um enorme desafio para as sociedades, sendo um fenómeno global. O movimento anticientífico não é novo, mas é possível observar o seu crescimento mundial nos últimos anos, principalmente com a cada vez mais massiva utilização da Internet e das redes sociais como plataformas para o efeito.
Hoje a internet permite-nos o acesso a um mundo de informações, o que há 20 anos atrás seria impensável. No entanto, há uma preocupação crescente sobre a forma como esta pode ser usada para espalhar informações falsas, num novo movimento de “pós-verdade”, onde os factos e a ciência são menosprezados ou encarados como mentiras.
A desinformação (o falso conhecimento) é um mal coletivo. O verdadeiro conhecimento é um bem coletivo. Pois, enquanto o verdadeiro conhecimento é um bem coletivo, o falso conhecimento pode ser um perigo - tanto individual quanto coletivamente.
Nova abordagem pelo ensino
Tendo consciência desta problemática, dois investigadores de Stanford, Jonathan Osborne, professor emérito de educação científica na Stanford Graduate School of Education (GSE) e Daniel Pimentel, estudante de doutoramento da GSE, estão a adotar uma nova abordagem académica para entender onde essas crenças se originam e como elas podem ser desencorajadas.
Osborne e Pimentel são os principais autores de Science Education in an Age of Misinformation, um importante relatório publicado em 2022 que explora a ameaça representada pela desinformação científica e como esta pode ser abordada. No relatório, apresentam estratégias para preparar os alunos para lidar com reivindicações/descobertas duvidosas, incluindo a revisão científica, e os professores a melhor preparar os seus equipamentos e ferramentas de ensino, bem como a avaliação das capacidades dos alunos.
Num novo ensaio publicado na revista Science, da autoria dos mesmos investigadores, é argumentado que novas abordagens para a educação em ciência podem ajudar a vacinar a sociedade contra a desinformação científica em todas as suas formas.
Para Osborne e Pimentel é importante abordar a desinformação numa idade jovem. Para estes investigadores os alunos devem saber como verificar a confiabilidade de uma fonte, aferir quem está a fornecer a informação, como eles a conhecem e o que está se a tentar transmitir ou vender.
Segundo estes, para se proteger contra fontes questionáveis, os alunos devem ser ensinados a navegar na internet e a interpretar os resultados da pesquisa, saber como adaptar os termos de pesquisa, como identificar conteúdo patrocinado e como identificar rapidamente as informações mais confiáveis.
Mesmo que confiem numa fonte específica, os alunos ainda precisam de estar preparados para reconhecer afirmações plausíveis e desconsiderar o ridículo, afirmou Pimentel.
Uma vez que não é possível ou mesmo desejável, disse ele, fazer de cada aluno um especialista em todos os domínios da ciência, o objetivo, para estes cientistas, passa por preparar os alunos para entender o conceito de modelos científicos e os fundamentos do processo científico.
Por outro lado, os alunos devem estar também preparados para apreciar as divergências que inevitavelmente surgem na ciência, disse Osborne. Este autor critica os atuais modelos de ensino, que considera desadequados ao fim de ajudar os alunos a contextualizar argumentos e evidências conflituantes, já que em vez de os alunos simplesmente terem de debitar a resposta “correta”, tenham que aprender o porquê das experiências e estudos de caráter científico nem sempre funcionarem.
A necessidade do combate à disseminação de desinformações
O conhecimento científico tarda anos a consolidar-se e a ser consensual e unanimemente aceite pelos pares. Ao ensinar os alunos a apreciar o peso do consenso e a revisão científica, ajuda a prepará-los para enfrentar casos de desinformação em estudos, ensaios ou propostas de caráter científico que ainda não estejam completamente validados. “Os resultados até agora são bastante encorajadores”, disse Pimentel. “Eles (os alunos) estão muito mais propensos a distinguir informações confiáveis de informações incríveis”.
Neste novo mundo de "pós-verdade", combater a disseminação de desinformações é uma corrida para a qual devemos estar preparados. Nunca foi tão sério e necessário e começar pela educação é um passo fundamental!