Como podem as zonas húmidas salvar-nos de catástrofes como a ocorrida em Espanha? Eis o que nos dizem os cientistas

As zonas zonas húmidas não são apenas fundamentais para a conservação da biodiversidade e para a regulação do clima, como também são importantes defesas naturais contra eventos meteorológicos extremos. Descubra mais neste artigo.

zonas húmidas
As zonas húmidas podem revelar-se fundamentais atores naturais na defesa de efeitos nefastos provocados por fenómenos meteorológicos extremos, também alimentados pela desregulação climática.

As zonas húmidas constituem-se como habitat para uma grande variedade de animais e plantas, incluindo muitas espécies ameaçadas ou em perigo de extinção, sendo fundamentais para a sua conservação, e armazenam ou transportam nutrientes que sustentam a cadeia alimentar, sendo dos ecossistemas mais produtivos e com maior variedade biológica.

Mas não só de serviços ecossistémicos se valem as zonas húmidas. Estas têm um papel fundamental na mitigação dos efeitos das alterações climáticas, pela sua grande capacidade de retenção de carbono.

Além disso, as zonas húmidas constituem-se como verdadeiras defesas naturais e agentes de combate a essas alterações, atuando como um “amortecedor” de variações bruscas causadas por fenómenos meteorológicos adversos extremos.

Zonas Húmidas são definidas como “zonas de pântano, charco, turfeira ou água, natural ou artificial, permanente ou temporária, com água estagnada ou corrente, doce, salobra ou salgada, incluindo águas marinhas cuja profundidade na maré baixa não exceda os seis metros”.

Convenção de Ramsar sobre Zonas Húmidas.

As zonas húmidas armazenam e regulam a água porque conseguem reter grandes quantidades de água durante fortes chuvadas durante tempestades e têm a capacidade de reduzir a velocidade e magnitude das cheias, ajudando a “defender” as zonas a jusante destas.

Também em períodos estivais desempenham um importante papel, mitigando o efeito das secas, uma vez que ajudam a recarregar aquíferos.

Zonas húmidas de Portugal e do mundo

Apesar da sua importância ecológica, estética e cultural, as zonas húmidas foram consideradas, durante muito tempo, áreas marginais que deveriam ser transformadas em terra seca. Algumas atividades recreativas, a construção desordenada, a alteração profunda dos cursos dos rios, a remoção da vegetação das margens, a poluição e certas atividades agrícolas ameaçam atualmente as zonas húmidas pelo mundo.

Para proteger as zonas húmidas em todo o mundo, foi assinado um tratado internacional em 1971 entre países de todo o mundo, a Convenção de Ramsar sobre Zonas Húmidas, que tem como objetivo proteger as zonas húmidas e promover a cooperação entre países na conservação e no uso racional destas, através de zonas de proteção designadas Sítios Ramsar, que constam da chamada Lista de Zonas Húmidas de Importância Internacional.

A imagem mostra o delta do rio Ebro, que funciona como verdadeiro tampão natural contra as cheias na região envolvente.

Desde então, e até hoje, já assinaram esta Convenção 172 países, entre os quais Portugal, que contribui com 31 sítios Ramsar para os cerca de 2.517 existentes pelos cinco continentes. Estes 31 sítios Ramsar totalizam cerca de 132.487 ha, cerca de 79% do total das zonas húmidas existentes em Portugal e 1.8% do território nacional.

De acordo com dados do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), estas áreas cobrem cerca de 6% da superfície da Terra, sendo responsáveis por ser local de vivência e reprodução de 40% de todas as espécies vegetais e animais. Mas na Europa, e no mundo, estas áreas têm sido alvo de crescente degradação, e Portugal não é exceção.

Estima-se que, desde 1900, se perderam cerca de 64% das zonas húmidas da Terra. Em Portugal, segundo os dados do Relatório do Estado do Ambiente de 2017, a área ocupada por zonas húmidas sofreu uma redução de 11% nesta área, na sua maioria associada à atividade humana.

E, apesar de o país ter assinado a supracitada convenção, em 1980, onde se comprometeu a elaborar planos de conservação e a estabelecer reservas naturais, estima-se que 77% destes habitats, a nível nacional, se encontrem degradados, de acordo com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas. Além de apenas 79% das zonas húmidas nacionais integrarem este sistema regulatório.

Os recentes episódios ocorridos em Espanha, e em especial na comunidade de Valência, devem, por um lado, alertar-nos para os "novos" perigos, mas também para a importância destes habitats.

Casos recentes que demonstram a sua importância

A capacidade das zonas húmidas para reduzir o impacto de eventos meteorológicos extremos foi demonstrada em vários episódios recentes, como na tempestade Hortensia em janeiro de 2021, que provocou chuvas intensas e cheias no norte de Espanha, e na qual os Pântanos de Santoña funcionaram como uma esponja natural, reduzindo o volume das cheias e, com isso, o risco em zonas rurais da Cantábria.

Já anteriormente, em 2020, durante a tempestade Glória, também o Delta do Ebro funcionou como apaziguador dos efeitos da intensa tempestade que trouxe graves inundações e cheias à Catalunha. Também em 2019, durante uma gota fria, a Albufera de Valência ajudou a reter a água das fortes chuvas, reduzindo o impacto das inundações nos municípios vizinhos.

Para Antonio Guillem, coordenador de zonas húmidas da Global Nature Foundation, organização que há mais de três décadas trabalha com estes ecossistemas, ainda que na recente DANA de 2024, a Albufera de Valência tenha voltado a funcionar como barreira protetora, a sua capacidade mitigadora foi ultrapassada.

“No caso desta gota fria, a Albufera impediu que toda aquela água chegasse aos municípios costeiros, ficando acumulada no lago e no arrozal. Embora a Albufera de Valência esteja preparada para mitigar as cheias, temos que ter consciência de que este episódio foi extraordinário e que a bacia, depois de chover em poucas horas o que pode chover num ano inteiro, atingiu níveis surpreendentes devido ao transbordamento da ravina Poyo e do rio Magro, ultrapassando a sua capacidade de amortecer este impacto ”.
Antonio Guillem

Estes exemplos demonstram a vital importância destes ecossistemas e personalizam os benefícios inestimáveis que as zonas húmidas proporcionam à humanidade e ao meio ambiente.

Por isso, considera-se imperativo adotar medidas eficazes que visem proteger e restaurar estas áreas, tal como a implementação de políticas de conservação, a promoção de práticas agrícolas sustentáveis e o envolvimento ativo das comunidades na preservação desses ecossistemas preciosos.