Com que rapidez as águas subterrâneas são recarregadas? A resposta permitirá uma gestão mais sustentável
Extraímos água subterrânea a um ritmo mais rápido do que ela é recarregada naturalmente. Esta prática é insustentável, e é por isso que a ciência tenta entender como as camadas subterrâneas são recuperadas.
É relativamente fácil entender como um riacho ou lagoa é recarregado quando chove. Podemos simplificar o processo dizendo que a água que não se infiltra no solo, seja porque é impermeável (como o asfalto das ruas) ou porque já está saturada e perdeu a capacidade de absorção; ela fica na superfície à procura dos desníveis do terreno e a gravidade faz o resto. Geralmente, riachos e lagoas 'copiam' as depressões dos terrenos, pois é ali onde a força da gravidade acumula a água.
Mas para simplificar a explicação, não consideramos no processo muitas outras variáveis que podem modificar este ciclo da água. E estes detalhes são muitas vezes cruciais quando se trata de águas subterrâneas.
A água subterrânea é um dos recursos naturais mais valiosos e uma das principais fontes de abastecimento para quase metade da Humanidade. Faz parte do ciclo hidrológico e, apesar da ideia generalizada de que são rios subterrâneos, em muitos casos a água escorrega pelas fendas e poros do solo, pela areia e rochas, formando aquíferos. E dali ela é extraída através de poços, nascentes ou mananciais, e também é descarregada em lagos ou córregos.
Mas… Como a água chega ao aquífero?
A recarga de aquífero
A água subterrânea é recarregada naturalmente com água da chuva, água proveniente da neve derretida ou água que se infiltra no fundo de lagos, rios e outros corpos de água superficiais. Também pode ser recarregada artificialmente através de técnicas especiais, quando plantações são regadas em excesso ou, o que é comum em áreas urbanas, quando há fugas na rede de distribuição de água.
Mas ainda assim, existem grandes incógnitas em relação às águas subterrâneas:
- Quão rápido ela recarrega?
- Quanta chuva é necessária para encher um aquífero?
- Quanta água chega ao subsolo?
Uma equipa de investigadores da Universidade de Nova Gales do Sul (Austrália) propôs-se a desvendar estes enigmas e, para isso, desceram até onde está a água, através de cavernas, túneis e minas. Também instalaram uma rede de sensores de águas subterrâneas em 14 locais no sudeste da Austrália, alguns a mais de 100 metros abaixo da superfície. Eles descobriram que, nalgumas minas de ouro, era necessário acumular muito mais precipitação do que o esperado apenas para iniciar o processo de recarga. Mas eles necessitam de séries de dados mais extensas para obter conclusões que permitam uma gestão sustentável das águas subterrâneas.
Porque é importante saber mais sobre a recarga das águas subterrâneas?
Em todo o mundo, estamos a utilizar águas subterrâneas muito mais rapidamente do que elas podem ser reabastecidas naturalmente. No caso da Austrália, o continente habitado mais seco do planeta, saber mais sobre este assunto é essencial para a sobrevivência da população, uma vez que as águas subterrâneas representam 17% dos recursos hídricos acessíveis do país, mas representam mais de 30% do uso total de água.
A cidade de Perth, por exemplo, depende tanto das águas subterrâneas que está a esgotar o seu aquífero, forçando o governo a construir centrais de dessalinização. A Austrália Ocidental depende das águas subterrâneas para dois terços das suas necessidades de água.
E isto está a repetir-se em todo o planeta, à medida que os níveis das águas subterrâneas diminuem a um ritmo rápido e acelerado em numerosos aquíferos em todo o mundo. Investigadores da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (EUA), da University College London e da Universidade ETH Zürich analisaram medições realizadas nas últimas duas décadas em 170 mil poços em 1.693 sistemas aquíferos em mais de 40 países. Eles descobriram que os níveis das águas subterrâneas estão a diminuir mais de 10 cm por ano em 36% dos sistemas aquíferos monitorizados, e estão a diminuir rapidamente em mais de 50 cm por ano em 12% deles.
Além da falta de água para consumo e irrigação, os aquíferos esgotados provocam subsidência de terras que podem causar danos às infraestruturas. Nas regiões marinhas costeiras, o esgotamento dos aquíferos pode induzir a intrusão de água do mar e contaminar camadas de água doce, como está a acontecer em vários locais da costa de Buenos Aires.
Rastreando a recarga
Conhecer as taxas de recarga é importante. Se utilizarmos as águas subterrâneas ao mesmo ritmo ou a um ritmo mais lento a que são recarregadas, estaremos a utilizá-las de forma sustentável. Mas se extrairmos muito mais água do que ela consegue recarregar, aí é insustentável. E a recarga é difícil de se medir com precisão.
Investigadores da Universidade de Darwin, na Austrália, estimaram que a taxa média de recarga da Austrália era de apenas 44 milímetros por ano. No entanto, isto varia muito dependendo da localização: em climas húmidos e chuvosos, o lençol freático subiu 203 mm por ano, enquanto em climas áridos subiu apenas 6 mm.
Mas esta investigação deparou-se com vários problemas: não foi possível descobrir de onde vinham as águas subterrâneas ou a 'idade' da água. Isto pode significar que, se a recarga do aquífero for rápida, poderá levar anos. Mas uma recarga lenta pode levar milhares de anos... e quando se trata de gerir de forma sustentável este recurso, esta informação é essencial.
Referências da notícia:
Baker, A. et al. An underground drip water monitoring network to characterize rainfall recharge of groundwater at different geologies, environments, and climates across Australia. Geoscientific Instrumentation, Methods and Data Systems, v. 13, n. 1, 2024.
Lee, S. et al. A high-resolution map of diffuse groundwater recharge rates for Australia. Hydrology and Earth System Sciences, v. 28, n. 7, 2024.
Jasechko, S. et al. Rapid groundwater decline and some cases of recovery in aquifers globally. Nature, v. 625, 2024.