Clima subártico para o primeiro Homo sapiens na Europa
Na Bulgária, um grupo de investigadores mostrou que grupos humanos pertencentes a uma onda inicial de dispersão de nossa espécie na Europa, enfrentaram condições climáticas muito frias enquanto ocupavam a caverna entre cerca de 46.000 a 43.000 anos atrás.
Vestígios arqueológicos na caverna Bacho Kiro, na Bulgária, representam atualmente os mais antigos remanescentes conhecidos do Paleolítico Superior Homo sapiens na Europa e, assim, abrem uma janela única para a época em que a nossa espécie começou a deslocar-se para fora do Levante (região que se estende do Médio Oriente ao sul dos Montes Tauro) e a estabelecer-se nas latitudes médias da Eurásia como parte de um fenómeno arqueológico denominado Paleolítico Superior Inicial.
A cientista portuguesa Vera Aldeias ajudou a desvendar quais as temperaturas que os primeiros grupos de Homo sapiens na Europa tiveram de enfrentar há mais de 45 mil anos. Ossos de animais descobertos numa gruta na Bulgária, a casa desses primeiros humanos modernos na Europa, sugerem que tiveram de enfrentar climas muito mais frios do que os atuais, algo bem diferente do que se supunha até agora. Esta é mais uma peça a encaixar no incrível puzzle da evolução humana.
Em 2020, dois estudos publicados nas revistas Nature e Nature Ecology & Evolution indicavam que se tinha encontrado na gruta de Bacho Kiro, na Bulgária, os vestígios dos mais antigos Homo sapiens do período do Paleolítico Superior na Europa.
A equipa concluiu que os primeiros Homo sapiens a chegar à Europa tinham ocupado a gruta de Bacho Kiro entre 46 mil e 43 mil anos atrás. Saber como a nossa espécie se adaptou a novos ambientes é um importante aspeto na compreensão da nossa dispersão pelo mundo e do que nos fez ser a única espécie humana agora a viver na Terra.
Até agora, pensava-se que os primeiros Homo sapiens na Europa teriam vindo para o continente em momentos de maior calor durante um período considerado relativamente frio. Isto é, embora tenham chegado ao território europeu durante o último período glacial, havia oscilações nessa época entre períodos mais quentes e mais frios e esses humanos teriam vindo numa fase mais quente.
Segundo Vera Aldeias, a perspetiva que existia era que a nossa espécie, como vinha de África, estava habituada a climas mais quentes para conseguir entrar num território que era dos neandertais (espécie humana que viveu na Terra há cerca de 400 mil anos atrás).
Nada como voltar a analisar vestígios encontrados no local onde, até agora, tudo começou na Europa, a gruta de Bacho Kiro. Para isso, uma equipa liderada por Sarah Pederzani, investigadora do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolutiva, na Alemanha, analisou os isótopos de oxigénio de amostras de dentes de animais descobertos nessa gruta e que viveram há mais de 45 mil anos, na mesma altura dos primeiros Homo sapiens na Europa.
Alguns dos dentes estudados pertenciam a cavalos, auroques ou bisontes. Quando bebem água, os animais retêm informação sobre crescimento dos dentes e a temperatura da água. Assim, consegue-se recuar às épocas em que os animais viveram e ter uma ideia da temperatura do ambiente de então.
A adaptação às baixas temperaturas
Através desta investigação, verificou-se que no inverno, o local da gruta poderia chegar a temperaturas entre -10 ºC e -20ºC, equivalente a um clima subártico. Hoje, na mesma zona na Bulgária, a temperatura no inverno ronda os 0 ºC.
Mesmo no verão, a temperatura que os primeiros da nossa espécie na Europa enfrentaram era mais baixa relativamente aos dias de hoje. Terão enfrentado 10º C, ou até menos, nessa altura do ano.
Segundo Sarah Pederzani, os resultados mostram que estes grupos de humanos eram mais flexíveis em relação aos ambientes e estavam mais adaptados a diferentes condições climáticas do que se pensava.
Este artigo mostra que estas populações de humanos modernos que começaram por se expandir a partir de África, e depois para o mundo, facilmente se adaptam a todas as condições climáticas.
Na gruta foram ainda encontradas ferramentas de osso, e sugere-se que estes humanos já trabalhariam através delas peles de animais que vestiriam para se manterem mais quentes, assim como a utilização do fogo.