Cientistas explicam como hábitos noturnos afetam o bem-estar dos jovens e a sua importância para o desempenho académico

O horário escolar tradicional favorece estudantes matutinos, mas prejudica os vespertinos, que apresentam mais dificuldades de atenção, privação de sono e menor rendimento. Estudo publicado na revista Chronobiology International sintetiza esta informação.

horário escolar tradicional e estudantes
Estudos apontam para diferenças na privação de sono, rendimento e capacidade de atenção entre estudantes devido ao horário escolar tradicional.

Imagine dois adolescentes que iniciam as aulas às 8h da manhã. Um deles está desperto, alerta e trabalha com facilidade. O outro, pelo contrário, luta para se concentrar e sente que o seu rendimento é afetado. A diferença pode estar no seu cronotipo: a predisposição biológica que determina os momentos do dia em que uma pessoa se sente mais ativa e produtiva.

O que é o cronotipo e em que medida afeta o desempenho académico?

O cronotipo é uma característica inata que regula os ritmos circadianos, ou seja, os ciclos naturais do organismo ao longo do dia. De acordo com esta característica, as pessoas podem ser classificadas como matutinas (cotovias), intermédias ou vespertinas (búhos).

As matutinas sentem-se mais produtivas nas primeiras horas do dia, enquanto as vespertinas atingem o seu pico de energia ao final da tarde ou à noite. Esta diferença pode ter um impacte significativo no desempenho académico dos estudantes, particularmente no sistema educativo tradicional, que privilegia os ritmos matutinos.

Os ritmos circadianos não são fixos ao longo da vida. Na infância, a maioria das crianças tem uma preferência matutina. No entanto, com a chegada da adolescência, o relógio biológico atrasa-se naturalmente, tornando muitos jovens mais propensos a desenvolver um cronotipo vespertino.

O problema surge quando os horários escolares estão alinhados com o ritmo dos matutinas, mas não com o dos vespertinos. Muitos adolescentes vespertinos enfrentam dificuldades de concentração e aprendizagem nas primeiras aulas da manhã, o que pode resultar em notas mais baixas e maior stress académico.

Os estudos indicam que os adolescentes matutinos tendem a obter melhores resultados académicos do que os seus colegas vespertinos. Isto deve-se ao facto de que, ao acordarem naturalmente mais cedo, conseguem estar mais despertos durante as aulas da manhã. Em contraste, os vespertinos podem apresentar maior sonolência e dificuldades na memória e na atenção.

Adicionalmente, adolescentes com cronotipo vespertino têm maior tendência para a privação de sono. Os seus hábitos noturnos muitas vezes resultam em menos horas de descanso, o que afeta negativamente o seu desempenho académico e bem-estar emocional. A revisão da literatura publicada na revista Chronobiology International, em 2023, demonstrava que os vespertinos apresentam maiores níveis de ansiedade, stress e uma maior propensão para a alimentação emocional em qualquer estudo internacional.

Fatores que agravam a dessincronização biológica e estratégias para mitigar os seus efeitos

A influência do cronotipo no desempenho académico pode ser amplificada por vários fatores, entre os quais a falta de sono. O começo das aulas muito cedo pode levar a uma privação crónica do sono nos adolescentes vespertinos. Por exemplo, um jovem que se deita à 1h da manhã e precisa de acordar às 6h para ir para a escola estará constantemente fatigado.

O uso excessivo de ecrãs é outro fator que pode piorar a situação. A exposição à luz azul de telemóveis e computadores antes de dormir pode atrasar ainda mais o relógio biológico, dificultando o sono e agravando o cansaço matinal. Os hábitos alimentares também desempenham um papel importante. Os vespertinos têm maior probabilidade de saltar o pequeno-almoço, o que pode comprometer os seus níveis de energia e atenção nas primeiras aulas.

A atividade física também é um elemento relevante. Os estudantes matutinos tendem a ser mais ativos fisicamente, o que melhora o seu estado de alerta e humor. Por outro lado, os restantes podem sentir-se mais sonolentos ao longo do dia se não praticarem exercício.

dificuldades de atenção e cronotipo
O cronotipo influencia o desempenho académico e revela-se particularmente relevante para os adolescentes vespertinos.

Ainda que não seja possível alterar o cronotipo de um indivíduo, existem estratégias para reduzir os impactes negativos. Manter um horário de sono consistente, mesmo aos fins de semana, pode ajudar a reduzir o efeito do "jet lag social" e melhorar o desempenho cognitivo. Evitar dispositivos eletrónicos pelo menos uma hora antes de dormir pode melhorar a qualidade do sono.

Algumas instituições de ensino já atrasaram o início das aulas para as 9h, com resultados positivos no desempenho académico e na frequência dos alunos. Sair ao ar livre logo pela manhã pode ajudar a sincronizar o relógio biológico e facilitar o despertar. Comer algo ao acordar pode melhorar a atenção e o rendimento escolar.

O cronotipo é um fator essencial no desempenho académico de crianças e adolescentes. Enquanto as cotovias beneficiam dos horários tradicionais, os búhos enfrentam desafios devido à dessincronização entre o seu ritmo biológico e as exigências escolares.

Referência da notícia

Kalbacher, L. S., & Randler, C. (2024). Exploring the nexus between sleep, chronotype, and non-cognitive predictors in university students: Implications for academic success. Chronobiology International, 41(8), 1165-1175.https://doi.org/10.1080/07420528.2024.2383396