Cientistas documentam voo transatlântico de grupo de borboletas

Segundo um grupo de cientistas do CSIC, um grupo de borboletas conseguiu voar cerca de 4 mil km sobre o Oceano Atlântico, de África até à Guiana Francesa. Veja mais aqui!

Fluxos das borboletas
A extensão dos fluxos aéreos de insetos que circulam pelo planeta e o seu impacto nos ecossistemas e na biogeografia continuam a ser enigmáticos devido a desafios metodológicos.

De acordo com um artigo publicado na revista Nature Communications, uma equipa internacional liderada pelo Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC), documentou um voo transoceânico de mais de 4.200 km de borboletas cardeais (Vanessa cardui).

Esta viagem, que se tornou num recorde para um inseto, durou entre cinco e oito dias e foi possível graças à ajuda dos ventos alísios.

Trajetória
Trajetórias horárias do vento retrógrado para as 48 horas anteriores à observação do bando de borboletas às 6 horas da manhã do dia 28 de outubro de 2013.

Em 2013, Gerard Talavera, investigador do Instituto Botânico de Barcelona do CSIC, identificou várias borboletas carder nas praias atlânticas da Guiana Francesa.

"Temos tendência a ver as borboletas como um símbolo da fragilidade da beleza, mas a ciência mostra-nos que elas podem realizar proezas incríveis. Ainda há muito por descobrir sobre as suas capacidades", afirma Roger Vila, investigador do Instituto de Biologia Evolutiva.

Estas observações foram completamente invulgares, uma vez que esta espécie não se encontra na América do Sul.

Mas de onde vieram?

Graças a uma abordagem multidisciplinar foi possível decifrar a rota e a origem destas borboletas.

As duas hipóteses de partida eram que poderiam ter tido origem na América do Norte, onde se encontram as populações mais próximas, ou em ��frica ou na Europa.

Ao analisar as trajetórias do vento, os investigadores observaram um padrão sustentado de direcionalidade a partir da África Ocidental, levantando a possibilidade de terem atravessado o Atlântico.

Ao estudar a diversidade genética das borboletas, o que exigiu a recolha de amostras de populações de todos os continentes, os investigadores determinaram que os espécimes observados na América do Sul estavam relacionados com populações da Europa e de África, o que, por sua vez, excluía a possibilidade de uma origem norte-americana.

Pólen nas asas das borboletas
Para além das plantas presentes na Guiana Francesa ou amplamente distribuídas (barras verdes), duas plantas endémicas do Sahel (barras amarelas) foram encontradas entre o pólen recuperado dos corpos das borboletas da dama pintada na América do Sul: Guiera senegalensis e Ziziphus spina-christi, sendo a primeira especialmente comum.

Os investigadores analisaram também o ADN do pólen que as borboletas transportavam no corpo e identificaram duas espécies de plantas que só existem na África tropical, o que demonstra que as borboletas visitavam as flores dessa região.

Por último, a equipa analisou as asas das borboletas. As asas conservam sinais isotópicos específicos do local onde foram criadas na sua fase larvar, o que permite inferir a sua origem natal.

Com estes dados, determinaram que a sua origem era provavelmente em países da Europa Ocidental, como a França, a Irlanda, o Reino Unido e Portugal.

"As borboletas cardeais chegaram à América do Sul vindas da África Ocidental, voando pelo menos 4200 km sobre o Atlântico. Mas a sua viagem pode ter sido ainda mais longa, começando na Europa e passando por três continentes, uma migração de 7000 km ou mais. Trata-se de um marco extraordinário para um inseto tão pequeno." - Clément Bataille, da Universidade de Otava, no Canadá.

Um "empurrãozinho" dos ventos alísios

Ao analisar o custo energético da viagem, os investigadores estimam que o voo sem escalas, através do oceano demorou entre 5 e 8 dias. Isto foi energeticamente possível porque foi facilitado por correntes de vento favoráveis.

Os autores do estudo afirmam ainda que borboletas só poderiam ter completado este voo utilizando uma estratégia que alternasse entre um esforço mínimo para evitar cair no mar, facilitado pela subida dos ventos, e um voo ativo, que requer mais energia.

"Estimamos que, sem vento, as borboletas poderiam ter voado um máximo de 780 km até gastarem toda a sua gordura e, consequentemente, a sua energia" - Eric Toro-Delgado, um dos autores do estudo.

Esta descoberta abre assim novas perspetivas sobre a capacidade dos insetos para se dispersarem a longas distâncias, incluindo através dos mares e oceanos.

Os investigadores sublinham que, com o aquecimento global e a alteração dos padrões climáticos, é provável que se verifiquem mais alterações e mesmo um aumento destes fenómenos de dispersão a longa distância, o que poderá ter implicações significativas para a biodiversidade e os ecossistemas em todo o mundo.

Referência do artigo:

Suchan T, Bataille CP, Reich MS, Toro-Delgado E, Vila R, Pierce NE, Talavera G. (2024). A trans-oceanic flight of over 4,200 km by painted lady butterflies.