Cientistas avaliaram a contribuição da aviação particular no aumento de dióxido de carbono na atmosfera
Após a pandemia verificou-se uma mudança nos hábitos de viagem das pessoas com maior riqueza, que optaram por viajar em aviões particulares, o que provocou um aumento de 46% das emissões de dióxido de carbono dos jatos privados, nos últimos quatro anos.
Uma viagem média num avião particular emite dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera equivalente a 16 viagens de um carro a gasolina de Paris para Roma.
A aviação particular é um dos meios de transporte mais poluentes
Sabe-se que a contribuição da aviação comercial para as alterações climáticas está a aumentar, mas um estudo publicado na Communications Earth & Environment apresenta o papel global da aviação privada nas alterações climáticas, o que, até hoje, não estava bem quantificado.
Os autores do estudo analisaram mais de 18 milhões de voos privados elaborados por 25.993 aeronaves particulares entre 2019 e 2023, calculando as emissões de CO2 do setor.
A aviação privada, utilizada apenas por 0,003% da população mundial, tem um consumo intensivo de energia. O estudo identificou 72 modelos de aviões privados comercializados como jatos executivos, com valores de consumo de combustível que variam entre 48 e 576 gph (equivalente a 182-2180 litros por hora). Para alguns modelos de aeronaves, isto implica mais CO2 por hora do que o emitido por um ser humano médio por ano (4,5 t CO2 em 2020).
De acordo com o estudo, em 2023, foram efetuados 4 301 561 voos individuais (trajetos), com um tempo total de voo, não incluindo a rolagem, de 6 474 710 horas, ou 249 horas por aeronave.
Quase metade dos voos (47,4%) cobrem distâncias inferiores a 500 km, 4,7% dos voos (cerca 900 000) são inferiores a 50 km, “como táxis” e menos de um terço dos voos (29,1%) tem uma distância superior a 1000 km.
Uma vez que esta investigação apenas avalia as emissões diretas da utilização de combustível em voo, os efeitos da aviação privada nas alterações climáticas, para além da emissão do CO2, exigem uma investigação mais aprofundada.
Distribuição espacial da aviação privada e tendência de crescimento
Os EUA albergam cerca de 4% da população mundial, mas 68,7% de todas as aeronaves particulares estão registadas no país. O Brasil tem o segundo maior número (3,5%, 927 aeronaves privadas), seguido do Canadá (2,9%, 770), da Alemanha (2,4%, 630), do México (2,0%; 534) e do Reino Unido (2,0%; 522). Per capita, Malta tem de longe a maior densidade de aviões privados (46,5 por 100 000 residentes), seguida dos EUA (5,5), Suíça (3,8) e Áustria (2,9).
A maior parte do tráfego aéreo tem lugar nos EUA, seguido da Europa. Algumas capitais da América Central, bem como as Caraíbas são muito frequentadas, tal como o Médio Oriente. O transporte aéreo privado é menos comum na China e no Sudeste Asiático, na Oceânia, na América Central e do Sul, com exceção do Brasil e de algumas capitais.
O transporte aéreo privado parece ser limitado em toda a África, com exceção da África do Sul e da Nigéria. Além de algumas ilhas, existem também concentrações notáveis de transportes aéreos em zonas específicas: por exemplo, a zona de Miami representa, por si só, 6% de todas as partidas de aviões.
Os autores do estudo também identificaram que os grandes eventos atraem uma atividade considerável de transporte aéreo privado, incluindo tráfego aéreo a nível internacional, tais como a Conferência das Partes (COP28) que se realizou no Dubai, a nível nacional, a Super Bowl e a nível regional, o Festival de Cinema de Cannes.
No entanto, um dos eventos globais mais relevantes é o Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA. Em 2022, o evento teve lugar no Qatar, atraindo visitantes de todo o mundo, muitos deles utilizando os aviões privados como transporte.
Em quatro anos, o número de aviões a jato cresceu 28,4%, as distâncias percorridas 53,5% e as emissões 46,0%. As tendências de crescimento são distorcidas pela pandemia da COVID-19, uma vez que em 2020 se assistiu a uma redução das distâncias de voo e das emissões, apesar do número de aeronaves ter aumentado de forma consistente (de 25 993 aeronaves em dezembro de 2023 para 26 454 só em fevereiro de 2024, tal como as distâncias médias voadas.
As emissões do sector continuarão a aumentar, a menos que possam ser disponibilizados combustíveis sustentáveis para a aviação em grande escala. Os desafios técnicos e de custos constituem obstáculos à transição para uma aviação com emissões líquidas nulas.
O estudo alerta para a necessidade de regulamentação, para fazer face ao crescente impacto climático do setor, uma vez que as expectativas apontam para um crescimento contínuo.