Cientistas assustados: Estados Unidos registam a primeira extinção causada pelo aumento do nível do mar

Os cactos arbóreos denominados Key Largo foram completamente extintos nos Estados Unidos, e investigadores acreditam que esta possa ser a primeira extinção local causada pelo aumento do nível do mar.

Estados Unidos registram a primeira extinção causada pelo aumento do nível do mar
População de cactos arbóreos denominados Key Largo foi completamente extinta nos Estados Unidos, e a causa foi o aumento do nível do mar (imagem: Luke Padon).

O cacto arbóreo Key Largo (Pilosocereus Millspaughii) pode ser encontrado em algumas partes do mundo, inclusive nas ilhas espalhadas pelas Caraíbas, como o norte de Cuba e partes das Bahamas. Nos Estados Unidos, o cacto está restrito a uma única população em Florida Keys, descoberta pela primeira vez em 1992 e monitorizada desde então.

Ou melhor, estava. Investigadores descobriram recentemente que a população de Key Largos desapareceu completamente, naquilo que pode ser a primeira extinção local de uma espécie devido ao aumento do nível do mar.

Pouco se sabe sobre estes raros cactos. Inicialmente, pensava-se que o Key Largo era uma população única do Pilosocereus Robinii, uma espécie também ameaçada de extinção. Ambos têm caules que podem atingir mais de 6 metros de altura; flores que cheiram a alho e refletem a luz da lua, atraindo morcegos polinizadores; e frutos vermelhos e roxos brilhantes que chamam a atenção de pássaros e mamíferos.

key largo
Algumas das características da espécie: flores que cheiram a alho e frutos que variam entre vermelho e roxo brilhante. Morcegos, pássaros e mamíferos são atraídos. (imagem: Possley, J. et al)

No entanto, investigadores notaram diferenças entre ambas as espécies. O Key Largo possui tufos de pelos longos na base das flores e frutos, além de espinhos mais longos, o que sugeriu que os investigadores estavam a lidar com uma espécie única. Em 2019, o investigador Alan Franck confirmou que a população de Key Largo era o único exemplo conhecido de Pilosocereus Millspaughii nos EUA.

A vida e morte da população de Key Largo nos Estados Unidos

O cacto arbóreo prosperou num afloramento calcário baixo, perto da costa e cercado por manguezais. O local originalmente tinha uma camada distinta de solo e matéria orgânica que permitia o crescimento de cactos e outras plantas, mas as tempestades causadas por furacões e marés excecionalmente altas erodiram esse material até que não restasse muito.

Plantas tolerantes ao sal, que anteriormente estavam restritas a outros locais, começaram lentamente a subir pelo afloramento, uma indicação de que os níveis de sal estavam a aumentar - o que por si só já é desfavorável ao cacto.

Um estudo mostrou que os níveis de sal eram mais elevados no solo sob cactos mortos do que no solo sob cactos vivos, estabelecendo uma ligação clara entre a mortalidade dos cactos e o aumento da salinidade.

Em 2015, os investigadores perceberam que metade dos cactos tinham morrido, servindo de alimento para outras espécies. Inundações de água salgada causadas por marés particularmente altas nos anos anteriores limitaram a quantidade de água doce disponível para os mamíferos da região, que começaram a consumir o cacto para obter água.

A equipe recuperou todo o material verde que pode.
Como estava claro que a população não sobreviveria, a equipa recuperou todo o material verde que pode na região. Depois, replantou em ambientes controlados. (imagem: Possley, J. et al)

Em 2017, o furacão Irma varreu o sul da Flórida, deixando grandes porções da região inundadas durante dias. As condições eram tão extremas que os biólogos tiveram que usar piscinas infantis de água doce para manter viva a vida selvagem local. Em 2019, marés vivas deixaram grandes porções da ilha, incluindo o afloramento extremamente baixo, inundadas por mais de três meses.

O resultado é que, quando os investigadores foram monitorizar a região em 2021, descobriram que restavam apenas seis caules de Key Largo, todos adoecidos. Como estava claro que a população não sobreviveria, a equipa recuperou tudo o que pode e replantou em estufas ou ambientes externos controlados.

Infelizmente, o cacto arbóreo de Key Largo pode ser um indicador de como outras plantas costeiras baixas responderão às alterações climáticas - Jennifer Possley, Fairchild Tropical Botanic Garden.

Atualmente, não há mais nenhum Key Largo de crescimento natural nos Estados Unidos. Infelizmente, os ambientes adequados para que os cactos arbóreos sobrevivam estão a desaparecer. Mesmo com os esforços de preservação, simplesmente não restam muitos lugares onde seja possível reintroduzir a população de Key Largo na natureza. Isso significa que, graças ao aumento do nível do mar, a espécie está de facto condenada.

Neste momento, uma em cada quatro espécies de plantas nativas estão criticamente ameaçadas de extinção regional ou já foram extintas devido à perda de habitat, caça excessiva, ataque de espécies invasoras e outros fatores de degradação. Mais de 50 espécies desapareceram completamente.

Referência da notícia:
Possley, J. et al. First U.S. vascular plant extirpation linked to sea level rise? Pilosocereus millspaughii (Cactaceae) in the Florida Keys, U.S.A.. Journal of the Botanical Research Institute of Texas, 2024.