As pegadas de Laetoli, Tanzânia: novas evidências de bipedalismo em hominídeos há 3,6 milhões de anos
A descoberta de pegadas em Laetoli, Tanzânia, revelou que diferentes espécies de hominídeos coexistiram há milhões de anos, com bipedalismos distintos. Saiba mais aqui!
No dia 24 de novembro de 1974, o paleontólogo Donald Johanson e os seus colegas descobriram na Depressão de Afar, no nordeste da Etiópia, o esqueleto de Australopithecus afarensis que viria a ser conhecido mundialmente como Lucy.
Esta descoberta, datada de 3,2 milhões de anos, ajudou a desvendar alguns dos mistérios associados à evolução humana, incluindo a origem do bipedalismo. No entanto, outras evidências sobre a diversidade locomotora dos primeiros hominídeos, particularmente as pegadas encontradas no sítio de Laetoli, na Tanzânia, foram muito relevantes.
Tecnologias revelam diversidade locomotora em hominídeos pré-históricos
As famosas pegadas de Laetoli, descobertas em 1978 pela primatóloga Mary Leakey e sua equipa, datam de há 3,6 milhões de anos e são amplamente aceites como a mais antiga evidência de bipedalismo obrigatório no registo humano.
Esta evidência, com dezenas de pegadas fossilizadas de múltiplos indivíduos, é atribuída a Australopithecus afarensis, a mesma espécie de Lucy. Contudo, outro conjunto de pegadas encontrado num sítio próximo, conhecido como o Sítio A, gerou décadas de debate entre os investigadores.
Inicialmente, as pegadas do Sítio A foram interpretadas como pertencentes a um animal, possivelmente um urso ou chimpanzé. Mas, após anos de análises detalhadas e novas investigações, um estudo publicado na revista Nature revelou que estas pegadas pertenciam a um hominídeo bípedo que caminhava de forma diferente de Australopithecus afarensis.
Algumas hipóteses foram erguidas, inclusive a de que diferentes espécies de hominídeos coexistiram no mesmo período e região, cada uma com características locomotoras distintas.
A investigação, liderada pela professora Ellison McNutt, começou com a revisão das pegadas do Sítio A. Em 2019, um grupo de investigadores, incluindo McNutt e Charles Musiba, da Universidade do Colorado em Denver, voltou a escavar e analisar minuciosamente as pegadas.
Foram usadas tecnologias avançadas, como o scanner 3D e a fotogrametria, para comparar as características das pegadas do Sítio A com as de humanos, chimpanzés e ursos negros.
Múltiplos caminhos evolutivos para o bipedalismo em hominídeos
Os resultados demonstraram que as pegadas do Sítio A não eram consistentes com as de animais não humanos. Os ursos negros, por exemplo, têm calcanhares estreitos, pés em forma de leque e não possuem a flexibilidade na anca e no joelho necessária para realizar movimentos semelhantes ao bipedalismo humano.
Por outro lado, as pegadas de Laetoli apresentavam calcanhares largos, um dedo grande proeminente e uma postura que indicava passos cruzados, algo incomum em humanos, mas possível quando o equilíbrio é necessário em terrenos irregulares.
Além disso, a morfologia das pegadas revelou diferenças marcantes entre os dois sítios. Enquanto as pegadas atribuídas a Australopithecus afarensis apresentavam uma marcha mais estável e uniforme, as do Sítio A indicavam um tipo de locomoção menos eficiente, mas claramente bípede.
Estes dados sustentam a ideia de que outra espécie de hominídeo habitava a região, talvez Kenyanthropus platyops ou Australopithecus deyiremeda, embora a falta de fósseis associados dificulte a identificação exata.
Este estudo reforça a noção de que a evolução do bipedalismo não foi linear, mas sim um processo diversificado, com diferentes espécies de hominídeos desenvolvendo distintas adaptações locomotoras.
A evidência também desperta um olhar sobre a visão tradicional de que o bipedalismo surgiu exclusivamente em resposta a mudanças ambientais, como a redução de florestas e o aumento de savanas. De facto, os múltiplos fatores ecológicos e comportamentais podem ter impulsionado formas de locomoção bípede diferentes.
A investigação das pegadas de Laetoli é um marco para compreender a evolução humana. Estudos futuros poderão oferecer novos dados sobre quem eram os autores destas pegadas e como estas espécies interagiam no ecossistema há milhões de anos. Lucy pode, de facto, não ter andado sozinha.
Referência da notícia
McNutt, E. J., Hatala, K. G., Miller, C., Adams, J., Casana, J., Deane, A. S., ... & DeSilva, J. M. (2021). Footprint evidence of early hominin locomotor diversity at Laetoli, Tanzania. Nature, 600(7889), 468-471. https://doi.org/10.1038/s41586-021-04187-7