Arqueóloga de Harvard explica o porquê de ser tão difícil digerirmos o leite
Arqueóloga biomolecular de Harvard analisa por que razão a maioria da população mundial tem dificuldade em digerir a bebida que ajudou a moldar a civilização, o leite.
Segundo um artigo avançado por The Harvard Gazette e a antropóloga Christina Warinner, durante grande parte da história da Humanidade, o leite, um produto rico em proteínas, vitaminas e minerais, foi consumido em várias partes do mundo, ajudando a moldar a civilização.
Porém, a sua história genética e nutricional é complexa para a maior parte da população mundial. Warinner afirma que são produzidas cerca de 700 milhões de toneladas de leite por ano, todavia, a maior parte da população mundial tem muita dificuldade em digeri-lo.
Quando os seres humanos são bebés, produzem uma enzima chamada lactase que ajuda a digerir a lactose, um açúcar encontrado no leite, mas quando se tornam adultos, deixam de a produzir, o que leva à intolerância à lactose, uma condição presente em 65% da população humana adulta em todo o mundo.
Mas quando se chega a adulto já não se produz lactase, e a lactose passa sem ser digerida para o intestino grosso.
Christina Warinner, Professora Associada de Ciências Sociais de John L. Loeb.
Arqueologia, antropologia e etnografia, para reconstruir a pré-história do leite
A professora utilizou uma abordagem interdisciplinar, que inclui arqueologia, antropologia e etnografia, para reconstruir a pré-história do leite, as origens da produção leiteira e a sua disseminação pelo mundo.
A história da produção leiteira desenrolou-se ao longo de milhares de anos, desde as suas origens na região da Ásia Ocidental, os Balcãs e o Norte de África até à sua migração para a Europa e depois para todo o mundo.
Os cientistas acreditaram durante décadas que os primeiros agricultores do Neolítico desenvolveram uma mutação genética que lhes permitiu produzir lactase durante a idade adulta para digerir corretamente o leite. Esta alteração revelou-se benéfica quando migraram para a Europa, o que os ajudou a expandir-se pelo continente.
Atualmente, a persistência da lactase é comum em pessoas de ascendência europeia, bem como em alguns grupos africanos, do Médio Oriente e do Sul da Ásia.
Desenvolvimento científico através da análise de ADN
Esta investigação suscitou algumas dúvidas, pois como é possível o desenvolvimento deste produto se depois não há uma base genética para o digerir? Esta é uma questão que Warinner tem tentado resolver na sua investigação.
A investigação de Warinner levou-a à Mongólia, um país com uma longa história de produção de lacticínios, cuja economia ainda se centra nessa atividade, e onde os pastores locais ordenham mais espécies de gado do que em qualquer outra parte do mundo.
Esta investigação na Mongólia permitiu reconstruir genomas de antigos mongóis, com o objetivo de verificar se estes apresentavam sinais de persistência da lactase e, estudaram os pastores locais de gado e iaques para analisar os seus microbiomas intestinais e compararam-nos com os dos residentes em Ulaanbaatar, a capital.
Quando analisaram a intolerância à lactose entre pastores e residentes urbanos na Mongólia, descobriram que os pastores apresentavam muito poucos sintomas de intolerância à lactose e uma baixa presença de hidrogénio.
Descobriram também que o microbioma intestinal dos pastores apresentava um elevado volume de bactérias do ácido lático, ou probióticos, que podem ajudar à digestão, bem como de bifidobactérias, ou bactérias saudáveis que são especialmente abundantes em bebés jovens e ajudam a metabolizar a lactose sem produzir qualquer hidrogénio.
Durante a sua intervenção, Warinner sublinhou a forma como a arqueologia pode ajudar a informar as questões ou desafios atuais, como a descoberta das várias formas como os seres humanos desenvolveram os produtos lácteos e se adaptaram ao consumo de leite e produtos lácteos.
Apesar de tudo, estas conclusões originaram ainda mais questões que orientarão Warinner numa próxima investigação.
Referência da notícia:
Mineo, L. "Got milk? Does it give you problems?" (2024).