Alterações climáticas e alimentação mundial: será o trigo o nosso segredo?
Estará a chave para alimentar o mundo com um clima em acelerada mudança escondida numa coleção de museu com 300 anos? Esta é a esperança de um grupo de cientistas. Saiba mais aqui!
A alimentação é uma das necessidades mais básicas do ser humano. Abraham Maslow não teve dúvidas em incluir a alimentação no conjunto de necessidades fisiológicas, ou seja, nas que dizem respeito à sobrevivência do indivíduo e à preservação da espécie, na conhecida Pirâmide de Maslow (Teoria das Necessidades Humanas). Uma dieta saudável é, por isso, essencial para a nossa saúde e o nosso bem-estar.
Ao longo do tempo, o ser humano foi desenvolvendo um sistema de produção e distribuição cada vez mais complexo e globalizado para responder à suas necessidades e carências alimentares.
As práticas agrícolas, no entanto, sempre ocuparam um importante lugar na história da humanidade tratando-se de um passo decisivo para o desenvolvimento humano e para a melhoria da sua qualidade de vida.
A agricultura de subsistência, praticada ao nível familiar e de acordo com as necessidades destes, foi praticamente abandonada e substituída e deu lugar a práticas agrícolas mais intensivas, mecanizadas e tecnológicas e utilizadoras de produtos químicos para fertilização, como forma de dar resposta às novas necessidades decorrentes da globalização.
Atingiram-se altos níveis de produtividade mas também se levantaram outros problemas, como a fertilidade dos solos ou o tempo de produção.
Alterações climáticas ameaçam o futuro do setor agrícola
Um dos problemas mais importantes que é transversal à agricultura está associada às alterações climáticas.
O setor agrícola per si é também responsável por contribuir para o atual período de desregulação climática, uma vez que emite, só na União Europeia, 10% de todos os gases com efeito de estufa. A agricultura, em especial, é responsável por libertar significativas de metano (CH₄), amoníaco (NH3) e de óxido nitroso (N₂O), três potentes poluentes atmosféricos.
Uma das culturas mais afetadas é o trigo. O trigo é uma das culturas mais importantes do mundo, já que é usado como subproduto de muitos alimentos, como o pão e as massas, os cereais que comemos ao pequeno-almoço e os bolos, e é uma parte essencial da nossa dieta. A guerra na Ucrânia, onde se cultiva uma grande quantidade destas gramíneas, colocou em evidência a sua importância.
Cientistas revelam que o aumento de 1 °C na temperatura global pode causar uma redução de até 6,4% na quantidade que podemos cultivar em todo o mundo. Pragas e doenças também estão a causar grandes estrangulamentos e desafios, reduzindo o rendimento anual projetado em cerca de um quinto a cada ano.
A globalização também fez perigar estas culturas, uma vez que a produção desenfreada destes grãos para fazer face às necessidades humanas globais, obrigou a utilizar variedades mais produtivas, deixando de lado outras variedades igualmente valiosas.
E isso é extremamente importante: o mundo precisará de mais trigo à medida que a população cresce - cerca de 60% a mais até 2050. Portanto, a comunidade científica terá de encontrar variedades de trigo que possam crescer em lugares onde atualmente não podem ser cultivadas, assim como culturas que podem suportar um ambiente em mudança.
“Queremos poder ver se existem algumas das coisas que perdemos, que basicamente poderíamos capturar e trazer de volta para as variedades modernas”, explica o Dr. Matthew Clark, geneticista do Museu de História Natural.
Será o trigo uma solução?
Partindo desta evidência, um grupo de cientistas ocupa-se em vasculhar 12.000 variedades de trigo mantidos nos arquivos do Museu de História Natural, uma coleção com mais de três séculos de existência, que remonta ao ano de 1700.
Muitas das espécies aqui preservadas são anteriores à introdução da grande maioria das práticas agrícolas, o que permitirá aos cientistas perceber qual o comportamento deste cereal sem a interação massiva do homem e a utilização nociva de fertilizantes.
As velhas variedades de trigo são armazenadas em centenas de velhos arquivos de papelão, cuidadosamente alinhados, fileira após fileira, nos cofres do museu. Cada um contém folhas secas, caules ou espigas de grãos, e às vezes todos os três, desde há séculos atrás. São cuidadosamente rotulados, detalhando exatamente onde e quando foram encontrados. Tudo isso fornece informações úteis.
Este foi também o mote para um grupo de cientistas do John Innes Centre, em Norwich. Será o trigo capaz de ajudar a alimentar a população mundial nos próximos séculos?
Estes cientistas socorrem-se de um arquivo de mais de 100 anos e que contém variedades de todo o mundo, armazenada a 4 °C, preservando espécies ainda viáveis, que podem ser plantadas e cultivadas.
Os investigadores estão a utilizar estas espécies armazenadas também para estudar as doenças que mais as atacam e os resultados preliminares apontam para uma maior resistência das espécies mais antigas, o que consideram um importante passo para defender a sua produção.
Estes estudos permitem-nos olhar para o passado e redescobrir espécies mais resistentes que se julgavam perdidas e que nos podem apoiar na transição da produção e na mitigação e adaptação às mudanças climáticas, para uma melhor satisfação das nossas necessidades. Poderá ser este o nosso segredo? O certo é que o trigo que cultivamos terá que mudar!